Sei que sou suspeito, mas vou logo afirmando: acredito em milagres! Creio que Deus, criador do céu e da terra, Senhor de toda a criação, tem o poder de mover os componentes da natureza, o ar, a terra, a água e o fogo, e tudo quanto quiser, segundo o beneplácito de sua vontade. Se assim não fosse, que Deus seria? Como por em questão o poder do criador sobre sua obra e as intervenções que Ele, em sua grande sabedoria, aquiesce como convenientes ou não? Os salmos nos confirmam: “ao Senhor pertence a terra e o que ela encerra, o mundo inteiro com os seres que o povoam; porque ele a tornou firme sobre os mares, e sobre as águas a mantém inabalável” (Salmo 23(24): 1). Sim, creio em milagres!
Não obstante minha fé declarada no poder divino para operar milagres, acredito haver uma realidade diante da qual o “poder” de Deus “se retrai”, ao menos da forma como o concebemos e exercemos, para exercer mais uma autoridade que conquista do que um poder que domina, que mais congrega do que dispersa, mais reúne do que divide, e por isso mesmo revela-se divina. Que realidade é esta? Digo-vos: um coração cativado pelo amor de Deus e que, reconhecendo a dádiva de incomensurável amor, empenha toda a liberdade e toda a vida para responder com amor ao amor que recebeu e continua recebendo. É exatamente isto! Deus também aguarda por um grande milagre: o milagre da conversão do coração, da conquista de nossa liberdade pelo amor “responsorial” e o empenho de nosso agir alimentado pela compaixão.
Entretanto, no sentido da conversão do coração, o poder é impotente! Deus nunca se impõe pela força, com violência, mas nos atrai para si, nos conquista, sem ferir o maior dom a nós concedido depois da vida: a liberdade! “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo” (Apocalipse 3, 20). Há como duvidar de que tal porta seja nosso coração e de que a decisão de abri-la seja um agir movido pela compaixão? Há como discordar que a ceia seja sinônimo de convivência familiar e livre expressão da partilha da vida e do pão no amor? Eis o anelo do coração de Deus: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes Eu quis reunir os teus filhos como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vós não o aceitastes!” (Lucas 13,34). Deus não se cansa de atrair-nos para si.
Mas a grande e indubitável prova de que Deus ainda não nos cativou é um mundo decadente!!! E quando digo mundo, sou por ele circunscrito; faço parte dele! Violência demais, ternura de menos; ganância demais, partilha de menos; recursos demais, soluções de menos; eletrônicos demais, convivência de menos, discussão demais, diálogo de menos... e continuaríamos nossa lista indefinidamente. Numa civilização “tecnicizada”, onde trocamos o padre pelo cientista ou médico, a sabedoria pelos arrazoados científicos e as igrejas pelos laboratórios, vamos adoecendo cada vez mais pelos males do desafeto. Paradoxalmente, vamos morrendo estando todos diante da fonte! Desviamos nossa esperança do amor de Deus por acreditarmos que nossa capacidade inventiva enfim nos dará todas as respostas para todas as inquietações que trazemos. Deus aguarda nossa conversão. Deus desperta nossa compaixão.
Lembrei-me aqui de uma das missões que fiz. Fui visitar uma família, pai, mãe e 4 filhas, que preparavam-se para se despedirem do pai, de meia idade, acamado, com complicações devido ao diabetes, com uma das pernas amputadas e a outra com cirurgia marcada para amputação, e desenganado pelos médicos. Tinha sido um homem demasiadamente rígido, incapaz de afeto com os seus, violento, e que nunca tinha conseguido encontrar-se como esposo ou pai. Havia abandonado a família por uma paixão avassaladora que, entretanto, não foi capaz de suportar ficar com ele quando descobriu o câncer e as complicações pelo diabetes. Abandonado, entregou-se à bebida. Foi recolhido, ocasionalmente, pela esposa traída, num dia em que ela voltava da celebração dominical e encontrou o esposo caído na rua, bêbado, desacordado. Tinha ouvido o Evangelho do samaritano. Decidiu, então, levá-lo para casa e cuidar dele, evitando que ele morresse por “mistanásia”. Depois que conversei um pouco com a mãe e as filhas, fui ver o senhor Corjesu. Conversamos muito sobre a vida, sobre os valores cristãos, sobre a família e sobre a morte. Chorou copiosamente por entender o quanto se equivocou nas atitudes em relação à sua família; pediu perdão à esposa e às filhas. Rezamos juntos... e depois de um tempo de silêncio me disse, olhando nos meus olhos: sabe, filho, de nós Deus quer senão o coração. Nada mais importa! “Um coração quebrantado e arrependido jamais será desprezado por Deus!. (Salmo 51, 17b). Com quem está nosso coração?
Diácono Robson Adriano