Lembro-me como se fosse hoje! Estávamos reunidos, cerca de uns quinze jovens em nosso encontro semanal para a partilha da Palavra. Era o mês vocacional e discutíamos o que significava o chamado que Deus faz a cada um de nós e o que era o amor. Em certo momento da discussão nos perdemos em divagações abstratas sobre o amor! Olhei para o seminarista Magno que nos ajudava, esperando que ele me socorresse e colocasse, enfim, ordem naquela dispersão de ideias e especulações todas acerca da vocação. Percebendo meu pedido de socorro (eu era na ocasião o coordenador do grupo), levantou-se repentinamente em meio àquela confusão, caminhou até o altar onde se encontrava um arranjo de flor com algumas rosas vermelhas, tomou uma nas mãos e olhando para nós, disse: “ Quem disse que Deus precisa de nós? Quem disse que o mundo precisa de nós? Não! Está tudo bem!!” Neste instante, ele arrancou uma das pétalas da rosa que tinha nas mãos e a deixou cair! Depois continuou: “ Afinal, o bem reina no mundo. Não há violências, nem roubos, nem maldades...” e arrancava mais uma pétala! “Não existem pobres entre nós, não é? Todos têm pão com fartura...” outra pétala caía! Uma por uma, sob nosso olhar curioso e passivo, Magno foi arrancando as pétalas da rosa, enquanto listava as mazelas de nosso tempo, como se mal algum houvesse, até que a rosa ficou completamente despetalada. Quando terminou, havia um silêncio estranho no grupo. Perguntou-nos Magno. “ Vocês concordam com o que eu falei? Ouviu um não quase em uníssono do grupo. Aí veio a pérola: “Mas, então, por que não fizeram nada? Por que não me pararam já na primeira pétala? Por que não protegeram a rosa? Por que não tomaram a inciativa?” O silêncio permanecia! E olhando para nós, disse: “ Deus criou a rosa, enchendo-a de beleza e perfume para colorir a primavera e alegrar nosso olhar! E estabeleceu jardineiros para cuidar do jardim onde as rosas e todas as flores florescem. Entretanto, deixamos que as flores sejam arrancadas, sem nada fazermos, e depois duvidamos da existência dos jardins, das primaveras e do próprio Jardineiro maior!”
Naquela ocasião, Magno tentava nos ensinar que toda vocação nasce do amor de Deus e do chamado que ele nos faz para correspondermos “responsorialmente” a esse amor. “Eis que eu estou à porta e bato...” (Apocalipse 3, 20). Não precisamos de muito esforço para concluirmos que tal porta é nosso coração e que somente por dentro esta porta pode ser aberta, quando nos abrimos à graça de Deus e deixamos de ser omissos e passivos na construção do Reino. O segredo de toda vocação está no amor de Deus e não há chamado, não há vocação que Deus suscite que não seja um convite para servirmos com amor e por amor! Um convite porque Deus nunca nada nos impõe, mas nos propõe irresistivelmente!
Em primeiro lugar, um amor que tudo criou e colocou sob os nossos cuidados; deu-nos toda a criação, o mundo inteiro e a vida que pulsa em nós com toda pujança. Vestiu-nos de carne e afeto, enchendo de sentido nossos sentidos e de contentamento nossas emoções. Brindou-nos com a liberdade, respeitando-a acima de tudo, ainda que nossas muitas infidelidades colocassem em xeque o bem que Ele desejou para o mundo e para nós. Somos assim, amados por um amor criador, Deus Pai!
E tendo nos criado assim, querendo que participássemos de tal amor, e para que não houvesse dúvida de que amor se trata, tornou-se amor redentor e salvador na doação de seu filho Jesus. Assumindo nossa humanidade em toda a sua verdade, exceto no pecado, viveu nossas alegrias e dores, nossas conquistas e decepções. Viveu intensamente nossa humanidade e redentoramente nos mostrou que não há maior prova de amor que dar a vida por aqueles que amamos. Um dar que principia-se pela gratidão pelo dom da vida, passando pelo serviço humilde, estando disposto a dar a vida se preciso for.
E para completar a obra de seu amor, depois que ressuscitou a Jesus, livrando-o do poder da morte, quis marcar-nos com um selo indelével, permanecendo conosco até o fim dos tempos. Para tanto concedeu-nos o Espírito Santo que agindo em nós como a ternura de Deus, torna-se o amor santificador, fazendo-nos pender para todo bem que precisamos praticar como autêntica expressão de nossa liberdade por ele conquistada. Então nos tornamos Igreja para sermos “sal da terra e luz do mundo” (Mateus 5, 13.14), espalhando por ele, pelo mundo, “o suave odor de Cristo!” (2 Cor 2, 15).
E amando não de forma abstrata, mas real, intensa e convincentemente, Deus nos chama a fazer de nossa vida um engajamento de serviço ao amor, principalmente aos mais pobres e necessitados. Toda vocação, torna-se, assim, o reconhecimento desta bondade infinita de Deus que chega até nós e a partir da qual, cada um de nós, descobre sua forma de corresponder a este amor. Precisamos nos recordar de um antigo gesto que acontece na celebração da crisma: o bispo, depois de nos ungir com o santo óleo, olha para nós e com um sorriso de encorajamento dá-nos um leve tapa na face dizendo: acorda, desperta filho! Depois nos encoraja e nos envia em missão.
Diácono Robson Adriano