Lembro-me bem e com todo afeto de meu coração daquele dia. Visitaríamos a médica para fazermos a nossa primeira ultrassonografia! Estávamos ansiosos para tentar decifrar, nas imagens distorcidas, o contorno de nossa branca flor da alegria (Yasmin Letícia). Na cumplicidade que assume a vida como um DOM e um COMPROMISSO, seguíamos cada curvinha ainda indefinível a olhos não iniciados na arte médica. Mas a doutora prosseguia, escrutinando cada partícula de gente! Foi quando, atentos, fomos surpreendidos por uma sonoridade incomum: intensa, forte, rápida e pulsante. – Estão ouvindo? – Perguntou a doutora! – É o coraçãozinho da filha de vocês! Para nós, pais de primeira viagem, uma verdadeira sinfonia, tocada pelos acordes sublimes do amor, na grande orquestração da vida, composta por Deus em seu amor. – E ela está medindo cerca da metade de um grão de arroz! Continuou a doutora. Um coração já batendo numa semente de gente do tamanho de meio grão de arroz! Quanta vida! Quanto milagre! Se em nossa limitação e pequenez humana nos deslumbrarmos assim pela força de uma vida desabrochando, de um rebento florindo, quanto mais Deus que afirma: “Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado”! (Jeremias 1, 5). Poderia ser d’outra forma para um Deus proclamadamente “amigo da vida”? (Sabedoria 11, 26b). E conhecendo-nos desde sempre em eterna compleição, amou-nos e consagrou-nos neste amor para sermos dignos do direito sagrado à vida, desde que gestados, até o dia em que completarmos nossa missão.
Mas numa sociedade adoecida demais, solapada por todos os lados pelos contravalores que minam pouco a pouco o coração dos seres humanos, vamos esmorecendo na esperança, amargurando no desafeto, azedando nas afeições, exorcizando, assim, a gratidão e a alegria do coração. Nessa sociedade do cansaço, da agitação sem pausa, da descontração sem alegria, do trabalho sem vocação, da gritaria sem harmonia, da tolerância sem simpatia, do toque sem a carícia, dos milhares de seguidores, mas sem muita companhia... vai crescendo o número dos que, sob o pesado fardo de um amor não encontrado, são engolidos pela “desrazão”, e olhando para um abismo sem fim, não suportando a dor que desaprenderam a contemplar na e pela cruz, rompem com a sagrado liame do viver, ou o impedem àqueles sem voz e ainda sem vez. E seríamos capazes de dizer que isso, assim posto, nada conosco tem a ver? Lavaremos as mãos? Apenas ousaremos ajuizar sem compaixão e sem verdade?
Nesta semana nacional pela valorização da vida, e extensivamente em referência ao dia do nascituro, ou seja, aquele que está sendo gerado ou concebido mas que ainda não nasceu, tomemos consciência do afetuoso clamor que sai do coração de Deus: “quantas vezes quis ajuntar os teus filhos como a galinha abriga a sua ninhada debaixo das asas, mas não quisestes! Eis que vossa casa ficará deserta. (Lucas 13, 34b-35). Façamos a parte que nos cabe na difícil missão de minorar os sofrimentos e angústias de tantos que, com os corações desertos, magoados, frios e sem vida, ferem a si próprios num clamor desesperado pelo fim do sofrimento. Ou ainda, a missão de amar a vida acima de tudo, haja o que houver, e não consentir que a vida gerada no ventre, não tenha o direito de nascer, de ter a possibilidade de aprender O “amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”! (1Cor 13, 7).
E para você, quando tudo lhe parecer sem cor e sem tom, e a dor lhe parecer consumir, como já mostrei aqui em outra ocasião, não se esqueça: 1º. Creia em Deus. Um crer que, mais que sentir, entregar-se crendo que o universo inteiro tem um propósito e que o sofrimento faz parte desse propósito; 2º. Deus não está distante. Revelou-se em seu Filho e despertou nossos corações para o verdadeiro amor. E não há nada maior do que este amor; absolutamente nada. Acredite, nada mesmo. E com este amor, Deus conquistou algumas pessoas para si, e consequentemente, para o bem: confie em alguém, amigo de Deus! Nunca guarde a dor só para si mesmo(a); desabafe, converse, confidencie e permita que este alguém te ajude; 3º. Nunca deixe de fazer o bem, ainda que com extremado sacrifício. O bem é o único capaz de fazer-nos enxergar além de nós mesmos e de nossa dor.
E lembro-me da canção que cantávamos para nossa pequena. Tenho a impressão de que a verdade que ela desvela é a mesma verdade desvelada do coração de Deus por nós: “Floquinhos de algodão misturam-se no azul do céu. Folhas verdes, árvores, pássaros, montes. Tudo mostra quão bonito é o que Deus criou. Tudo mostra quão bonito é o que Deus criou. Você também faz parte dessa criação, como obra bela, obra prima, que Deus, o bom Deus me (nos) deu, meu (nosso) grãozinho de ouro (bis). Abelha faz o mel, o passarinho canta. A árvore com o fruto alimenta o homem. Tudo é sinal do amor de Deus por cada um de nós. Tudo é sinal do amor de Deus por cada um de nós. Você também, com o seu jeitinho de ser, é para mim, concretamente, sinal do amor de Deus, meu (nosso) grãozinho de ouro...
Diácono Robson Adriano