Mais uma vez, são as crianças que, brindando-nos com seus questionamentos instigantes, nos fazem parar, pensar e abrir o coração para a sabedoria da fé. Não sem razão o Mestre disse que quem não tiver um coração semelhante ao de uma criança não herdará o Reino dos Céus (Mt 19,14); “quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca nele entrará”! (Lc 18,17). Pois bem, essa criança a que me refiro, chamada Theófilo, foi logo perguntando: “Pai, será que entregaram a máscara para o Senhor Deus também? Por que sem ela, ele não vai poder passear aqui na Terra, né? Ele ainda não fez nenhum médico descobrir como mata esse bichinho do “vid-dezenove”!!!
Eis a pérola!!
Depois que ri gostosamente do questionamento do Theófilo, me dei conta de que a solenidade de Pentecostes que acabamos de celebrar no último domingo parece ter tudo a ver com um Deus passeador! Isso mesmo que vocês leram: um Deus passeador!!!! Bem verdade que quando mencionamos o Espírito como um vento ou um sopro divino o associamos naturalmente ao que nos foi revelado “o vento sopra onde quer, você escuta o seu som, mas não sabe de onde vem, nem para onde vai; assim ocorre com todos os nascidos do Espírito” (Jo3,8). Mas daí dizer que Deus é um Deus passeador?!! Soma-se a isto o fato de que nossa moderna sociedade não vê com muitos bons olhos a arte de passear! Nem é por causa da COVID-19 não, mas porque passear parece ser para quem não tem mais nada para fazer! Um mero entretenimento, e se possível vagarosamente como um riacho que passeia lentamente entre suas margens!!! Passear parece ser da conta do jogo do perder tempo e perder tempo é perder dinheiro, diriam; é não produzir, é não prosperar. Então Deus não pode ser passeador, mas trabalhador, completariam. Parece realmente não ser boa a tal analogia. Bom, creio que as crianças e os cães talvez discordem disso!!
Entretanto vejamos: no livro que nos apresenta o “desejo” paradisíaco do coração de Deus para os seres humanos, numa cena bucólica, lemos: “Entrementes ouviram (Adão e Eva) a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim ao sopro do dia. (Gênesis 3, 8). O entretenimento do Senhor Deus, por assim dizer, era passear pelo jardim para se encontrar com Adão e Eva e, juntamente com eles, toda a sua criação. Não sem razão a Palavra afirma esse passeio ao sopro do dia, ou seja, em sua força vivificante do Deus da vida. Como não ver nesse passeio a intenção de Deus de alegrar-se em estar conosco, exatamente Ele, a quem chamamos com razão Emanuel, Deus conosco? Como não chegar à conclusão que esse passeio, exposto no livro dos começos, é o passeio que Deus, desde os tempos imemoriais da criação, faz principalmente aos corações de seus amados?
No tempo da Promessa, inaugurado pelo “Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança”, e que se estende até o dia da visitação do anjo à jovem Maria, Deus não fez outra coisa que passear pela vida dos seres humanos e suas culturas, falando pela voz de seus porta-vozes, os profetas, suscitando amor, zelo e fidelidade. Na plenitude dos tempos, inaugurada pela presença benfazeja do anjo de Deus que anunciou a sombra do Espírito à doce Maria, enchendo-a de plena graça, Deus não fez outra coisa que passear pela vida dos seres humanos sendo humano, não mais indiretamente pelos profetas, mas sendo conosco em seu filho Jesus, suscitando amor, zelo e fidelidade, pela doação de si, feito dom, e pelo serviço. E agora, nestes tempos que são os últimos, inaugurados pela manifestação do Espírito Santo em Pentecostes e o nascimento da Igreja, Deus não fez e não faz outra coisa que passear em nossa vida e coração, pela dádiva fecunda da presença do Espírito Santo, suscitando amor a Jesus, zelo para com as coisas do Pai e fidelidade ativa ao seu Reino de amor.
Obrigado Theófilo, cujo nome significa amigo de Deus, por nos ajudar a compreender que Deus, amigo da vida e dos seres humanos, se importa conosco e se alegra por estar entre nós, ainda que inúmeras vezes e de inúmeras formas menosprezemos sua presença entre nós com “pensamentos e palavras, atos e omissões”! E peçamos a Deus que este isolamento social, imposto pelas circunstâncias adversas de então, não nos impeça de criativamente descobrirmos meios de passear pela vida dos irmãos e irmãs, sobretudo os mais necessitados, e assim confirmarmos que como cristãos estamos no nome d’Aquele que está acima de todo nome. Passeando em nós com seus dons, o Espírito nos console na certeza de que novos céus e nova terra virão... desde que não percamos de vista o essencial da vida: a própria vida!! Shalom!!!
Diácono Robson Adriano