Mais uma vez, valho-me de uma dessas historinhas de domínio público que ouvimos aqui e alhures sem sabermos bem quem são seus verdadeiros autores. O anonimato, neste caso, intenciona mais o sentido ou a “moral” da história do que outra coisa qualquer.
Pois bem, ouvindo o neto queixar-se de que Deus não atendia seus pedidos, certa avó chamou-o ao canto e lhe confidenciou: isso acontece porque você entra na fila errada, meu neto!!! Embora pensasse que sua avó não tivesse compreendido suas queixas, quanto aos seus pedidos dirigidos a Deus em prece, resolveu perguntar a avó o que isso significava:
– Isso mesmo que você ouviu!! Continuou a avó! No mundo inteiro, a maioria das pessoas procura a Deus para pedir, pedir e pedir. Poucos, pelo contrário, são os que agradecem!! Aí você já viu: a fila dos que pedem é enorme! É muito trabalho para o todo poderoso!! Mas a fila dos que agradecem é pequena! Da próxima vez que fizer suas orações, entre na fila dos que agradecem! Comece agradecendo, demonstrando gratidão! Este é o segredo. Como a fila dos que agradecem é pequena, rapidinho seu agradecimento chega até Deus. E tem um detalhe! Como Deus está sempre preocupado conosco, ele acaba nos perguntando, depois que agradecemos: em que posso ajudar? Aí você aproveita e pede, entendeu?
A gratidão é muito mais do que um mero item de boas maneiras; vai além do dizer, às vezes mecanicamente, muito obrigado!!! Acreditamos ser uma expressão de liberdade, de um coração que, vencendo o orgulho e o egoísmo, por um lado cultiva a alegria de saber-se constantemente na companhia dos cuidados amorosos de Deus, e por outro, num gesto “responsorial”, afirma no fazer o Bem a oportunidade de em tudo dar graças a Deus (ITessalonicenses 5, 16-18)! É a abertura do coração para o reconhecimento de que somos o que somos e temos tudo o que temos porque nele, em Deus, nós temos e vivemos, nos movemos e somos (Atos 17, 28). Por isso mesmo a consideramos um Dom, ou seja, uma disposição do coração dada por Deus a todos os seus amados.
Entretanto, em tempos modernos, onde se consolida cada vez mais certa autossuficiência humana, embora atualmente abalada pelo poder de um vírus que nos faz lembrar do pó de onde viemos, precisamos exercitar nosso coração para a prática da gratidão. Muitas vezes nossos títulos e as posses que conseguimos adquirir com eles e nossos esforços dão-nos a impressão de que não somos devedores do amor e da vida, mas o contrário! Muitas vezes uma saúde que parece de ferro, ou um ânimo inabalável dão-nos a impressão de somos bons o bastante para darmos conta de nós mesmos. Um coração cheio de si e de justificativas autossuficientes não pode ser agradecido, pois não há virtude cristã nenhuma que vingue em terreno cardíaco tão infértil! Mesmo que o céu se abrisse em bênçãos sem fim, aos olhos dos orgulhosos, um coração assim não seria capaz do louvor e da gratidão. Em uma cena do Evangelho, o próprio Jesus se depara com a falta de gratidão das pessoas quando, curando dez leprosos que clamavam misericórdia à distância, pois não podiam se aproximar por causa da lepra e das leis de então, somente um, depois de todos terem sido curados pelo caminho, voltou para agradecer (Lucas 17, 11-19).
A gratidão nos faz exultar de alegria no Senhor, e nos coloca de posse daquela certeza de que nada pode nos separar de seu amor, nem mesmo os desfavores pelos quais possamos passar nesta vida e em nossa humana condição. A gratidão pela vida que recebemos gratuitamente, pelos dons da criação, do afeto, das emoções e dos sentidos; a gratidão pelas provações que nos permitem crescer em sabedoria e resiliência; a gratidão pelo amor com que somos amados e com o qual podemos amar; a gratidão pelo bem que podemos fazer, quando vemos os outros em suas necessidades e as socorremos com o que podemos; a gratidão pelo abraço e pelo beijo; pelos perfumes e sabores; pela inteligência e criatividade; pela saudade que nos ensina o quanto é bom estarmos ao lado de quem amamos ou fazermos o que gostamos; a gratidão pelo sol que revela o dia e suas cores, e pela noite que guarda mistérios de silêncio e adoração; pelas chagas benditas da vida doada na cruz que nos faz dar sentido de fé e salvação às feridas de nosso próprio coração; a gratidão pela gratidão do Cristo que deu graças ao Pai e deu-se em salutar alimento a nós (Lucas 22, 19. Mateus 26, 26). Enfim, gratidão pela dádiva de termos sido criados, redimidos e santificados por Deus.
Seja-nos dado então viver o que a Palavra nos pede: “Alegrai-vos no Senhor o tempo todo; eu repito, alegrai-vos. Seja a vossa bondade reconhecida por todos os homens. O Senhor está próximo. Não vos inquieteis com nada, mas, em toda ocasião, pela oração e pela súplica, acompanhada de ação de graças, apresentai a Deus os vossos pedidos. E a paz de Deus que ultrapassa toda a compreensão guardará vossos corações e os vossos pensamentos em Jesus Cristo”! (Filipenses 4, 4-7).
Diácono Robson Adriano