Mais uma vez, aqui e alhures, conta-se a história de uma menina que vendia maçãs: um grupo de vendedores foi a uma Convenção de Vendas. Todos tinham prometido às suas esposas que chegariam a tempo para cear na noite de Natal. Entretanto a convenção demorou mais que o previsto, de forma que chegaram atrasados ao aeroporto. Entraram todos com suas passagens e documentos na mão, correndo pelos corredores. De repente, e sem querer, um deles tropeçou numa banca que tinha uma cesta de maçãs, que saíram voando por toda parte. Sem se deterem, nem voltarem, seguiram correndo, conseguindo embarcar. Todos, menos UM. Este se deteve, respirou fundo e, inexplicavelmente, tomado de compaixão, sentiu-se impelido a voltar ao terminal onde estava a moça com suas maçãs. Pediu a um deles que avisasse à esposa que chegaria no próximo voo. Voltou então ao terminal e se encontrou com a moça e viu todas as maçãs jogadas pelo chão. Sua surpresa foi enorme, ao notar que a dona da banca era cega. Encontrou-a chorando, tateando o piso na tentativa, em vão, de encontrar e recolher as maçãs, enquanto a multidão passava indiferente! O homem se ajoelhou com ela, juntou as maçãs, e as colocou na cesta, ajudando-a a montar a banca novamente. Enquanto o fazia, percebeu que muitas estavam “machucadas”, separando-as à parte. Quando terminou, pegou sua carteira e disse à moça: “Toma, por favor, estes cem reais pelo dano que fizemos. Está bom?" Ela, chorando, assentiu com a cabeça. Ele continuou dizendo-lhe: "Espero não ter arruinado seu dia". E pedindo desculpas, foi saindo. A pouca distância ainda da moça, ouviu-a gritando: "Senhor...?" Ele se deteve e voltou a olhar aqueles olhos cegos. Ela continuou: “Você é Jesus...?” Ele saiu, em seguida, na companhia daquela intrigante pergunta vibrando em sua alma: Você é Jesus?
Inevitavelmente, tenho que perguntar agora: “Você já foi confundido com Jesus? ” Creio que se a resposta for sim, estamos no caminho certo. Caminho certo para onde? Para uma sociedade mais fraternal, mais samaritana, com relacionamentos mais ternos e menos intempestivos. Para uma vida que respeite, acima de tudo, a dignidade de cada pessoa naquilo que verdadeiramente ela tenha de mais precioso: o dom da vida. E se insistirmos nesse caminho, sabemos onde ele, enfim, vai dar: no coração de Deus, também chamado de céu!!!
Mas só há uma única forma de sermos confundidos com Jesus: é assemelhando-nos a ele. Obviamente, não se trata aqui de uma semelhança física, mas espiritual. Isto mesmo, espiritual no sentido de sermos movidos pelo mesmo Espírito, o Espírito Santo. Nele e por ele fazemos da própria vida um “dom-de-si-aos-outros” e quanto mais a vida de cada um de nós se torna um dom de serviço ao outro, mais a vida dos outros se torna, para nós, compromisso evangélico; “responsorialmente amorosa”. Dessa forma, resgatamos uma antiga e sempre nova canção de um amigo padre: “amar como Jesus amou, sonhar como Jesus sonhou, pensar como Jesus pensou, viver como Jesus viveu, sentir o que Jesus sentia, sorrir como Jesus sorria, e ao chegar ao fim do dia, eu sei que dormiria muito mais feliz”, e com certeza, antes de chegar ao fim do dia, eu sei que eu viveria muito mais feliz!! E agindo assim, fazendo o bem, compadecendo-nos uns dos outros, expressando em ações concretas, com gestos e palavras, a fé que professamos interiormente, vamos, inevitavelmente, nos encontrando com o Cristo!! Agindo como Ele, confundindo-nos com Ele, encontramo-nos com Ele, pois Ele mesmo disse: “em verdade eu vos digo, que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes”! (Mateus 25, 31-46).
Pois bem, como fomos convidados pelo nosso pontífice a sermos uma “Igreja em saída”, percorramos as ruelas e avenidas de nossa vida, pois muitos há com fome e com sede, de pão e de sentido; muitos estrangeiros há em suas próprias terras, não aceitos e não amados, esperando que abramos a eles as portas de nosso coração; muitos os despidos de sua dignidade e não reconhecidos como pessoas; muitos doentes, do corpo e da alma, da mente e do coração, das intenções e ações; inúmeros prisioneiros em suas vaidades e vanglórias (ou vãs glórias), ideologias e idolatrias, habitando as periferias existenciais de nossa sociedade. Todos eles estão por aí, como invisíveis, zumbis de uma sociedade da indiferença que passam ao largo sem se darem conta de que exatamente ali estão aqueles mais aptos a nos confundirem com Jesus. Basta tomarmos a iniciativa, refazer nossas agendas, priorizar nossa missão, fazer nossa parte.
Pois no que diz respeito em ser confundido, Deus já “primeireou”, para ficarmos com uma expressão do Papa Francisco. Foi confundido com a gente exatamente quando seu Filho, feito gente, visitou a gente para falar do amor de Deus que quer curar o coração d’agente. E você, já foi confundido com Jesus?
Diácono Robson Adriano