Certa vez aproximou-se do Senhor um escriba, talvez motivado pela multidão que circundava o Senhor e pelos relatos dos muitos feitos que eram atribuídos a Jesus, e declarou com toda empolgação: Mestre, eu te seguirei para onde fores!! (Mateus 8, 19). Ao olhar aquele homem e ouvi-lo em seu posicionamento, o Senhor, sempre com muita acuidade espiritual, e amando-o em verdade como sempre fazia, percebeu que aquela motivação inicial pudesse fazer o escriba ter uma visão deturpada do discipulado, do seguimento, uma visão mais romântica do que a realidade na verdade o apresentaria. Lembremos que os escribas eram homens letrados, versados nas Leis e intérpretes da Palavra; conhecedores das escrituras e autoridade na arte da hermenêutica bíblica. Portanto, eram certa referência importante nas comunidades israelitas. Como diríamos nós, talvez ele pensasse estar trocando seis por meia dúzia; trocando uma posição de destaque por outra ao lado daquele homem que curava, reunia multidões, multiplicava pães e peixes, expulsava demônios, dominava ventos e tempestades, congregava discípulos, pregava com autoridade para milhares, enfim, tornava-se um “mito”! Quem estivesse com ele (talvez pensasse o escriba) certamente faria parte da porção dos privilegiados!!!
Pois bem, olhando para o escriba respondeu Jesus: “As raposas têm tocas, e as aves dos céus seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”! (Mateus 8, 20). Uma resposta que, de certa forma, propunha um choque de realidade àquele que empolgadamente se dispunha a seguir o Mestre, independentemente para onde fosse. Penso que toca e ninho, nestes termos, podem sugerir aconchego e proteção. Metáforas de um lugar que é referência de identidade e segurança. Transpostas para a realidade humana, convertem-se em casa, lar, família etc. Parece que com o choque de realidade, Jesus queria provocar naquele escriba, acostumado a escrever, transcrever as Leis e a interpretá-las, a partir da referência segura de uma tradição, a real situação dos que se põem a caminho, em seu seguimento. Mostrava ao escriba que segui-lo significava abrir mão das seguranças pessoais (quer de bens materiais ou privilégios tantos) e viver a mística do serviço: “Eu vim para servir, não para ser servido!!” E um tipo de serviço que, expressando-se como dom-de-si ao cuidado e socorro das necessidades do outro (necessidades espirituais e/ou materiais), implica também, e quase sempre, senão sempre, o sofrimento, a perseguição, incompreensões e riscos, pois o próprio Mestre nos ensinou não haver ressurreição sem cruz! Os que tentam, perdem-se em atalhos que não permitem chegar ao destino: a edificação do Reino do Amor, também chamado Reino de Deus.
Não sem razão, chamaram também a mística do serviço de “Espiritualidade do Avental” (Frei Patrício Sciadini). No relato bíblico da cena do lava pés (João 13, 1-17), fica claro que Jesus, depois de tirar o manto, atou uma toalha à cintura (ao modo de um avental, pois depois deu-se a si mesmo de comer a nós) lavou os pés de seus discípulos, depois colocou novamente o manto e, seguindo para o lugar onde estava, proclamou: Vocês me chamam de Mestre e Senhor, e dizem bem, pois EU SOU! Portanto, se eu assim o fiz, façam vocês também o mesmo. Dei-vos um exemplo a fim de que, assim como eu faço, vocês também o façam”! Detalhe: o relato do Evangelho não diz que o Senhor retirou da cintura sua toalha, seu avental. Neste instante, em nome do EU SOU, Deus conosco, Jesus “sacramentalizou” o serviço como o sinal permanente da doação de si à edificação do seu Reino de justiça, paz e amor. E assina posteriormente este testamento, não com as letras da Lei, que o escriba tanto entendia, mas com seu sangue na cruz, na entrega da própria vida doada como máxima expressão de quem ama e é fiel ao Pai. Dessa forma, todo cristão, seguidor do caminho do Cristo, que, não renunciando a cruz, perfaz o caminho do discipulado pelo serviço, é sinal visível da promessa feita por Cristo de estar conosco todos os dias até o final dos tempos. Pelo serviço, tornamo-nos alimento de esperança a quem tem fome do Reino de Deus.
Mas esta lição nunca foi de fácil assimilação para os Apóstolos e discípulos da primeira hora, nem para nós que ocupamos o lado de cá destes tempos que são os últimos. Não raras vezes o Mestre insistia que entre os seus discípulos, e insiste que entre nós cristãos, não devia sobressair a lógica do privilégio, do quem é melhor, das comodidades e regalias da vida, mas pela lógica da Espiritualidade do Avental; de uma vida sacramentada pelo serviço e pela doação.
Assim, parece-me que Jesus quer nos educar na fé: não há maior prova de amor do que dar a vida por quem a gente ama. E se amamos a Deus, dar nossa vida a Ele significa, como o Filho nos ensinou, servir sempre e morrer em nome do amor e por amor se preciso for. Somente assim, o Espírito Santo encontrará em nós um coração manso e humilde no qual Deus possa entrar, fazer sua morada, e amar-nos como filhos no Filho!
Diácono Robson Adriano