A ressurreição do Senhor, um dos dogmas fundamentais da fé cristã, não foi um fato de fácil assimilação pelos discípulos de Jesus. Este fato extraordinário, segundo nossa ótica humana, provocou uma mudança radical na forma com que os discípulos compreendiam a própria vida, o amor, as relações interpessoais, a organização da sociedade e conceitos básicos como justiça, amor, fraternidade, paz etc. Tratou-se, e ainda mais hoje em tempos de descrenças, de um fato de tal importância que, se pairasse alguma dúvida em nosso coração acerca da verdade deste fato, nenhum valor teria a nossa fé! (Cf. Coríntios 15, 17). Dessa verdade de fé, reiteramos a vitória do amor sobre a morte, porque tendo sido sempre tão forte quanto a morte (Cântico dos Cânticos 8, 6), em Cristo, porém, o amor é mais forte que a morte, no-lo dizendo o próprio Cristo: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá. Crês tu isso?” (João 11, 25.26). O amor vence a morte dos que morreram, para que continuem vivos no Senhor, e dos que crêem, para que nunca morram.
Certamente foi por isso que Jesus, depois da ressurreição e antes de voltar para junto do Pai, ficou ainda cerca de cinquenta dias ensinando aos discípulos as lições da cruz que suplantou a morte. Cada aparição, cada palavra dirigida ao âmago do coração dos seus, as chagas apresentadas confirmando ser, em sua glória, o mesmo que sofrera em sua humanidade, convidava os discípulos a se entregarem ao mistério do amor de Deus e a jogar fora todo medo, pois essa é a vocação do amor! (1 João 4, 18). Neste tempo da páscoa, somos convidados a nos aproximarmos de Jesus ressuscitado, o “mistagogo” do Pai! Isso mesmo, pedagogicamente Jesus nos insere no caminho do mistério do amor de Deus que ele próprio é: “EU SOU O CAMINHO...” (João 14, 6). Mostrando as marcas dos cravos e a ferida do lado provocada pela lança, Jesus, agora glorioso, ia confirmando os discípulos no caminho do mistério da cruz, confirmando mais uma vez que NÃO HÁ RESSURREIÇÃO SEM CRUZ!!! Compreender isso, sobretudo nestes dias da pandemia, que já ceifou somente aqui no Brasil mais de duas mil, setecentas e quarenta vidas, chegando, no mundo todo, a mais de cento e setenta e oito mil pessoas. Celebramos o tempo pascal, sim, mas vivemos ainda um tempo de calvário e suplício.
Entretanto, assim como os discípulos de Jesus tiveram dificuldade de ver naquele Galileu, (atesta-nos a Palavra: “de onde lhe vem essa sabedoria e esses milagres? Não é ele o filho do carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria, e seus irmãos não são Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs não estão todas conosco? De onde, então, lhe vem tudo isso? E mostravam-se chocados com ele”! Mateus 13, 54bss) naquele homem Jesus, o Filho Bendito do Deus Bendito, nós, por nossa parte, temos dificuldades ainda de percebermos este glorioso Senhor Ressuscitado, Rei da Glória, naqueles irmãos e irmãs sofredores de nosso tempo e de todos os tempos. Quanta luta espiritual o Espírito Santo terá ainda que travar interiormente em nós e conosco para convencer-nos de que as chagas do mundo são as chagas do Filho Bendito do Pai que continuam a sangrar nas mais variadas cruzes de nosso cotidiano “mundo cão”? Quanto tempo o Espírito ainda terá que “lutar” conosco para nos fazer compreender as coisas do alto e assumirmos de uma vez por todas que todos os cristãos, seguidores do caminho, batizados na morte de Cristo, devem viver por ele e fazer as coisas que ele fez e ainda maiores? (João 14, 12).
Essa nossa dificuldade é ainda agravada pela nossa necessidade de atestar com nossos sentidos a ação de Deus e seus desígnios, exatamente como fez Tomé: “se eu não vir as marcas dos pregos em suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não acreditarei”. (João 20, 25). Assim, buscamos milagres extraordinários e nos esquecemos que o maior milagre que Deus pode operar em nós, respeitando a liberdade que nos deu, é conquistar-nos o coração, pois “agradam ao Senhor os que o temem, os que esperam em sua bondade”! (Salmo 147 11). E a base de todo temor de Deus não é o medo, mas a fé viva, a esperança benfazeja e a caridade efetiva entre nós.
Nestes tempos difíceis, não nos esqueçamos do que nos afirmou Jesus, que estaria sempre conosco, até o fim dos tempos. (cf. Mateus 28, 20b). O fim não deve nos assustar, pois confiamos em Deus. Deve nos alegrar, sim, o amor de Deus que, permanecendo conosco, conta com cada um de nós para ser, no coração do mundo, outros “Cristos” a se entregarem cotidianamente às suas cruzes. Só assim o mundo chagado conhecerá a alegria dos filhos e filhas de Deus. Prossigamos!!!!!
Diácono Robson Adriano