Num tempo imemorial, ou seja, um tempo que ultrapassa nossas condições de conhecimento e compreensão (mas que foi-nos revelado por aquele que, vivendo antes do tempo, o Verbo feito homem, foi-nos enviado por Deus na plenitude do tempo a fim de conhecermos a plenitude do amor!) Deus pronunciou “de si para consigo mesmo”: Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança! Esse pronunciamento estava cheio da verdade divina e da força de um “transbordamento” de seu amor que fez com que tudo que não existia, passasse a existir! Assim, numa verdadeira cumplicidade de amor (Façamos...) Deus (Pai, Filho e Espírito Santo) permitiu que deste eterno “transbordamento” de sua eterna vontade os seres humanos participassem da vida e mais ainda participassem da alegria incomparável de amar! E como absolutamente nada obrigou Deus a agir assim, pois Deus é absolutamente livre, Ele não nos quis “fantoches” e, amando-nos livremente, criou-nos à sua imagem e semelhança: livres para amar!
Entretanto, Deus sabia que a liberdade humana estaria sob o jugo de nossa condição e que o pecado, enquanto possibilidade de conduzir nossa vida numa autossuficiência que o exclui, rondaria constantemente o coração do ser humano colocando à sua frente promessas vãs de alegria e realização; Deus sabia que poderíamos ser facilmente ludibriados pela embriaguez do orgulho e a falsa promessa da injustiça e cobiça; Deus sabia que a desobediência de nossos primeiros pais no paraíso romperia com as relações de afeto e cuidado paradisíacos; sabia que um irmão lançar-se-ia contra irmão por ciúme e inveja por não aceitar fazer uma oferta de coração sincero; sabia que no deserto seu povo se enojaria de seus cuidados divinos e sentiria saudade das cebolas do Egito, preferindo ser escravo, desde que tivesse o estômago cheio; sabia que o bezerro de ouro seria forjado com ares de uma idolatria que trairia toda fidelidade a um Deus que se propunha completa libertação; sabia que a Lei forjada em tábuas para ser “decorada” (gravada no coração), seria vista e sentida por vários como algo externo e cerceador da liberdade, e não exatamente o contrário; sabia que seus profetas, em sua grande maioria, seriam ignorados e mortos por causa da verdade profetizada e ignorada; sabia que na pequenez de sua assumida humanidade, não teria, o autor da criação, um lugar para reclinar a cabeça; sabia que sua presença em meio a nós seria ignorada e desprezada a preço de algumas moedas de prata; sabia que o preço do amor em sua máxima e livre expressão seria a ignomínia da morte de cruz; sabia dos caminhos tortuosos da história e da instauração do seu Reino... sabia, e exatamente sabendo de tudo isso e de tudo mais, infundiu, no profundo de nosso ser, as três eternas companheiras de nossa liberdade: a fé, a esperança e a caridade!
Chamadas de virtudes teologais, nos colocam numa relação íntima com o próprio Deus em sua expressão trinitária, e nos permitem romper com a força do pecado e dispormos de nossa vida na liberdade do crer, do esperar e do amar! Cremos que Deus existe como Pai, cuidando de nós e do mundo, revelando-nos um plano de amor para os seres humanos que começa neste mundo, mas se estende à eternidade que há de vir; por elas compreendemos que este plano foi-nos revelado pelo Filho, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, que nos insere na esperança de que a palavra definitiva neste mundo não é a do pecado, da morte ou do caos, mas da reconciliação, da vida doada livremente por amor, do reinado do amor e da justiça divina expressados no serviço; por fim, confirmamos interiormente que a força e a coragem para testemunhar fielmente nosso crer e nossa esperança através do amor e da caridade brotam de uma força que não vem de nós mesmos, mas do Espírito Santo, Deus que habita no profundo de nós e que nos faz compreender que “é para que sejamos homens livres que Cristo nos libertou”(Gálatas 5,1).
Assim, as virtudes teologais não agem em nós nos tirando a liberdade, mas exatamente o contrário: dão-nos condições de afirmá-la, contrabalanceando, por assim dizer, o peso da tendência para o pecado que se aninhava em nós e que a graça santificante expulsou! A bem da verdade, para cada “Deus sabia” acima, ele também sabia de tudo aquilo que homens e mulheres seriam capazes de realizar de bom e justo, na fidelidade do amor filial que Cristo conquistou para nós. São testemunhos disto, todos os que compõem a história da salvação desde a proclamação daquele Façamos...! E o próprio Cristo afirmou: “em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará maiores do que estas, porque vou para junto do Pai. E tudo o que pedires ao Pai em meu nome, vo-lo farei para que o Pai seja glorificado no Filho”. (João 14, 12-13)
Desta forma peçamos, no nome do Senhor: “Ó Deus, sede generoso para com os vossos filhos e filhas e multiplicai em nós os dons da vossa graça, para que, repletos de fé, esperança e caridade, guardemos fielmente os vossos mandamentos. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém”. (Oração do 16º Domingo do tempo Comum)
Diácono Robson Adriano