Em profunda solidariedade com a humana condição, Cristo sorveu até a última gota do fel do sofrimento, e no auge de sua angústia espiritual, experimentando até onde o ser humano pode descer no poço do sofrimento, exclamou do alto da cruz: “meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” como nos diz o salmo 22, no versículo 21. Teria Deus abandonado seu filho? Seu amor enfim, teria falhado, teria acabado (Sl77(76) 9)? Poderia um Deus que tendo declarado que jamais de nós se esqueceria (Isaías 49, 14-15), não agir mais com clemência, com misericórdia? (cf. Sl 77(76) 10ss). “– Eu confesso que é esta a minha dor: a mão de Deus não é a mesma: está mudada!”, continua o salmista.
Quando fiquei sabendo, pus-me a imaginar: “era próxima a hora da misericórdia. O telefone toca; chamava-me um número desconhecido. Atendo, e antes mesmo de dizer a saudação inicial, escutei um triste choro; transmitia uma profunda e verdadeira tristeza. Em soluços uma voz masculina passou a inquirir-me: ‘Não entendo diácono! Por que Deus tirou minha esposa de mim? Por que deixou nossos filhos pequenos órfãos de mãe e eu viúvo? Ela era tudo de bom para mim. Estava amamentando nossa filha de 12 dias quando sofreu um infarto fulminante. Agora não está mais conosco! Agora só a tristeza, saudade... e a fé que tento me apegar! Deus nos abandonou? Diga-me. Deus nos abandonou?’ Não tive tempo de responder nada... nem mesmo condições! Ensaiei uma ou duas palavras de conforto, mas estava tão abalado quanto aquele jovem marido testado agora na fé! Depois que desabafou, pediu desculpas e desligou o telefone, deixando-me a sós com o seu desabafo ressoando em mim.”
Lembrei-me do que nos pede São Paulo: “Que o amor de vocês seja sem hipocrisia... alegrem-se com os que se alegram, e chorem com os que choram”! (Rm 12, 9. 15). Lembrei-me ainda de Jesus, que sentiu profundamente a morte de seu amigo Lázaro e chorou; que igualmente deve ter chorado na morte de seu pai adotivo José, assim como se entristeceu com o povo que negava aceitar ser cuidado pelo amor de Deus; ou quando ele viu a multidão como ovelhas sem pastor, e sentiu compaixão. Na hora da misericórdia, clamei ao senhor por misericórdia por aquele jovem marido e pai.
Nesta hora tive uma “visão espiritual!” “Vi” aquele jovem, pai e viúvo, sentado ao lado do Senhor. Reclinava a cabeça sobre o ombro do Mestre, como nos ensinou a fazer o discípulo amado. Chorava copiosamente, desabafando junto aos ouvidos do Mestre toda a sua dor. Serenamente o Mestre o ouvia, não contendo também ele, por sua vez, suas benditas lágrimas. As lágrimas de Jesus e daquele jovem se encontraram à altura do coração de Jesus e se tornavam, naquela hora da misericórdia, a prece maior de amor do Filho de Deus por aquele jovem. Como Deus não fica insensível às nossas dores, e conhecendo-as todas, chorou também um choro de divino amor; o mesmo choro de amor chorado quando seu filho, do alto da cruz entregou seu espírito tendo sofrido a ignomínia da cruz. Da face bendita do Deus bendito uma lágrima rolou em forma de luz; depois desprendeu-se de sua face vindo pairar no coração daquele jovem. Aguardava ali o Santo Espírito, que também chorava amorosamente o choro do Filho e do Pai, e iluminou o coração daquele jovem de divino amor. Neste instante, o jovem acordou e espantosamente constatou que sua esposa estava recostada no ombro esquerdo do Mestre; sorria docemente o sorriso de quem está em paz. Estendeu a mão na direção do marido e tomando-lhe a mão na sua, sussurrou-lhe: Está tudo bem, e sempre estará, pois o amor de Deus nunca há de faltar. Apenas creia. Sofra, mas creia. E olhando para frente, fez o jovem ver sua pequena filha de apenas doze dias nos braços da Virgem Mãe, que também chorando suavemente, amamentava-a com seu divino amor. Seu filho dormia serenamente ao lado da Virgem, totalmente entregue...
Não! A mão de Deus não está mudada, e nunca mudará, “pois eterno é seu amor” (Sl 118, 1). E embora sejam insondáveis seus desígnios (Sl 139, 17), tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus. Nenhuma de nossas dores é em vão, se as sofremos na presença do Deus bendito. Somente o amor cura toda dor e nos fortalece! Somente no amor não buscamos justificativas, porquês e mais, mas nos entregamos aos mistérios de nossas cruzes, a fim de que o nome de Deus seja glorificado na fé que vivenciamos e demonstramos. Assim dirão: vejam como eles têm fé!!!!
Este é o nosso testemunho: “Quem nos separará do amor de Deus? ... estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro ... NADA NOS PODERÁ SEPARAR DO AMOR DE DEUS, manifestado em Jesus Cristo, Nosso Senhor” (Romanos 8, 35. 39) que também sofreu e morreu por nós para que nossa esperança nunca morra. Fé meu nobre PH! Fé!