Em circunstâncias como a que estamos vivendo, parece ser inevitável sermos tomados pelo medo. Nossa tendência natural ao sentirmos medo é nos retrair, nos encolher, nos “apequenar” como se quiséssemos, assumindo uma posição que imita a fetal, voltar para o ventre de nossa mãe; aquele primeiro reduto de proteção e segurança que experimentamos, obviamente, sem nos darmos conta! Por isso talvez seja compreensível o fato de que o primeiro nome que aprendemos a gritar, quando crianças, nos momentos do medo é o nome mãe! No medo, queremos retornar ao reduto de aconchego primordial de onde saímos, e nestas ocasiões, desejamos, de lá, nunca ter saído.
E atualmente sabemos do que temos medo. Temos medo de sucumbirmos ao invisível. O medo de que um minúsculo vírus coloque a perder toda a nossa vida, subtraindo-nos de nossos planos, propósitos e convívios, roubando-nos as pessoas que mais amamos. Portanto um medo real! Não se trata de uma abstração, mas de um fato concreto que coloca em xeque nossos maiores tesouros: nossa vida e a vida dos nossos, e “a fortiori”, ou seja, consequentemente, a vida dos seres humanos.
O medo é considerado uma emoção primária. Assim sendo é inata em nós, evocando a força de certo instinto de autopreservação. O medo nos incita a tomarmos cuidado, a atentarmo-nos para algum perigo real, como o que estamos vivendo. Sendo uma realidade primária e praticamente instintiva, o medo não pode ser espiritualmente considerado um pecado. Isso mesmo: não há culpa em sentir medo! O próprio senhor Jesus, em sua humanidade, experimentou profundamente o medo no horto das Oliveiras, deduzindo de suas atitudes e da fidelidade ao Pai, o rumo da própria vida no embate da cruz. Tanto medo que verteu com lágrimas e suor seu sangue bendito!!! (Cf. Mt 26,36-46; Lc 22,42-46). E na angústia clamou pelo nome do Pai, pedindo, como nós pedimos que nos livre Deus da dor, que aquela hora não se realizasse. Mas no aconchego da oração aprendeu, em confiança e fidelidade, a “jogar fora todo medo” (como nos ensina a Palavra em 1João 4,18) e, por amor, doar-se inteiramente ao amor.
Como foi difícil para Jesus, em respeito à liberdade que o Pai nos concedeu desde o dia que criou-nos à sua imagem e semelhança, ensinar seus discípulos a vencerem o medo, a expulsá-lo do coração. Prova disso foi ser abandonado por quase todos os seus discípulos no derradeiro momento de sua Paixão. Estavam tomados pelo medo. Tomados aqui pode significar também possuídos!! Não pertenciam mais a si mesmos. N’outra ocasião, Pedro, o mais turrão dos discípulos, apavorado e tomado pelo medo (junto com seus companheiros) pela impressão de estarem diante de um fantasma, pede ao Senhor uma prova: caminhar na água e em meio a tempestade na direção do Mestre. Ficou com medo, e começou a afundar em mar bravio. E teve que escutar do Mestre: “homem de pouca fé, por que duvidastes?” (Mateus 14, 29-31).
Mas de todos os episódios de Jesus diante da fraqueza dos seus discípulos, diante do medo, tenho para mim, que a mais sentida foi a que vemos relatada, por exemplo, em Marcos 4, 35-41, quando depois do milagre da multiplicação dos pães, Jesus convida os discípulos para irem à outra margem. Diante de uma tempestade que parecia colocar a embarcação num perigo real de naufrágio, mas inacreditavelmente dormindo à popa, Jesus foi acordado pelos discípulos e questionado: “Mestre, não te importas que estejamos perecendo?” Como eu disse, tinham acabado de participar de um grande milagre; acompanhavam constantemente a Jesus e viam todas as maravilhas que Deus realizava por meio dele; os cegos viam, os coxos endireitavam a caminhada, os surdos ouviam, os demônios sucumbiam e todo bem era feito. Como podiam ainda colocar os cuidados de Deus em xeque? Como ainda duvidar do divino amor? Nisto, sim, talvez haja pecado. Jesus constatava uma vez mais que o amor não era ainda amado!! Não obstante, indicou a atitude capaz de vencer o medo: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” Somente pela fé o amor se torna perfeito e joga fora todo medo. A perfeição do amor é crer no mesmo amor “com todo o seu coração, com toda a sua alma, com todo o seu entendimento, e com todas as suas forças” (Marcos12,30). Coração, alma, entendimento e força. Antídotos contra o medo.
Nesta virótica pandemia que universaliza o medo, Deus nos convida mais uma vez a estar diante de nossa incondicional fraqueza, mas incondicionalmente amados por ele a fim de que, enquanto não chegue o milagre da cura, sejamos capazes de universalizar a solidariedade, “viralizando” a compaixão e a fé, curando um pouco mais nossa adoecida humanidade. Quem sabe assim não mudemos a indagação que serve de título deste artigo para algo do tipo: Salva-nos, Senhor, pois sabemos que te importas conosco.
Diácono Robson Adriano