Em fevereiro, damos início ao tempo litúrgico da Quaresma. Somos exortados a viver a conversão pessoal, comunitária e social, intensificando ações como da prática da oração mais intensa, da penitência, do jejum e da esmola, pelo exercício da caridade fraterna.
Na Igreja do Brasil, assumimos, por esse tempo, a Campanha da Fraternidade que, para esse ano, traz como tema: “Fraternidade e Fome” e como lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer”! (Mt 14,16).
O desafio é grande: vivemos tempos pós-pandêmicos, a realidade com a qual nos deparamos e as estatísticas do IBGE, em sua primeira leitura, indicam o crescimento da fome, da violência e da vulnerabilidade social, indicativos do empobrecimento da população e das desigualdades sociais que, ano a ano, se agigantam.
O apelo é grande: o Brasil sente fome. Milhões de brasileiros experimentam a triste e humilhante situação de não poder se alimentar e nem dar aos seus filhos e filhas o alimento indispensável a cada dia. No momento, assistimos, estarrecidos, o drama vivido pelos yanomamis, irmãos nossos dos povos nativos deste imenso Brasil.
Nosso país, abençoado pela sua extensão territorial e pelo clima, tem sido um dos que mais produz grãos e carnes para abastecer o mundo; batemos recordes na balança comercial; nossas empresas, a cada trimestre, batem metas de ganho financeiro... Algo parece errado. Porque, entre nós, milhões passam fome ou vivem em insegurança alimentar?
A tentação é a mesma ao tempo de Jesus. Ao ver os desafios, dizer, como os apóstolos, “Despede a multidão, para que cada um busque onde se alimentar” (Mt 14,15). Não poucas vezes, buscamos anestesiar nossa consciência, “lavar as mãos”, arranjar desculpas... ao que Jesus nos diz; “Dai-lhes vós mesmos de comer (Mt 14,16).
A fome é um dos resultados mais cruéis da desigualdade. Afeta inicialmente os mais necessitados. Atinge, contudo, a todos, diz respeito à sociedade inteira.
No Evangelho, em Mateus 14,13-21, Jesus multiplica os pães e os peixes, a Ele apresentados; exige que se organize o povo, que eles venham a se sentar em grupos e, depois de distribuir o alimento, que se recolha o que sobrou, sem desperdícios.
Esta é a palavra de ordem para todos nós: diante da fome, oferecer o pouco que temos, aprendendo a partilhar, certos de que as bênçãos de Deus não vão faltar; organizar o povo, oferecendo-lhe dignidade e cidadania; fazer a partilha, atentos aos que não têm o necessário e padecem de fome e evitar todo desperdício.
Confiamos, sim, aos que nos governam essa missão, esperando que tenham maior sensibilidade e compromisso com a justiça social, em favor dos mais pobres, excluídos e marcados pela vulnerabilidade social. O Estado precisa melhor resgatar a sua função social, sobretudo promovendo a redistribuição de renda, combatendo a sonegação fiscal e investindo mais recursos em políticas públicas que ajudem a vencer o ciclo da fome, da desigualdade e da violência. Mas, essa missão é também nossa, enquanto cristãos e cidadãos, enquanto comunidades.
A semelhança de Jesus e no seguimento a Ele, como discípulos missionários, temos que ter mais compaixão da multidão faminta (Mt 14,14-21). Não ficar no “blá, blá, blá”, mas tomarmos para nós e para as nossas comunidades, o compromisso de viver a solidariedade e a partilha; de tornar nossa fé mais operativa; de viver o amor a Deus, testemunhado na mística do cuidado, para que a ninguém falte o necessário, o alimento material e o alimento espiritual.
Se você está disposto a fazer esse caminho: boa quaresma, meu irmão e minha irmã. E não se admire, quando estiver diante de Deus, ouvir d’Ele, com um sorriso acolhedor: Vinde, entra para o banquete eterno, “eu estava com fome e me destes de comer”. Pois, “todas as vezes que fizestes isso a um destes pequeninos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25, 34.40).
Pe. Marcelo Moreira Santiago