Certa vez uma jovem catequista (chamá-la-ei Bia) perguntou-me: – Diácono, Jesus Cristo sorriu alguma vez? Existe, insistiu ela, trecho de algum Evangelho que fale de Jesus sorrindo? Bia olhava-me, esperando uma resposta. – Perguntas intrigantes, disse eu, tentando ganhar tempo para tentar respondê-la. Depois de alguns segundos, continuei: – Acho que sim, para sua primeira pergunta; e vou ter que verificar, para a segunda. Pronto! A Bia tinha acabado de plantar em meu coração uma inquietação. Teria Jesus negado essa experiência humana universal de contentamento e de felicidade? O texto abaixo foi a tentativa de respondê-la, depois de alguns dias pensando na questão.
“Querida Beatriz, cujo nome significa ‘aquela que traz felicidade’! Cultivei no coração tuas duas perguntas e quero agora respondê-las, pois incrivelmente encheram meu coração de alegria!! Honraste, assim, o nome que te deram! Comecemos pela segunda pergunta: não há trecho algum dos Evangelhos que nos apresente Jesus sorrindo. Mas vejamos bem, nem tudo o que Jesus fez, falou ou ensinou está no Evangelho!! O testemunho que encontramos ali é para que creiamos. Muito mais ele fez, falou e ensinou. Assim, lemos no Evangelho: ‘Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por uma, penso que não caberiam no mundo os livros que seriam escritos’ (João 21, 25). Penso que em relação ao sorriso de Jesus, não devemos ser literais! Devemos, sim, ser contemplativos. Isso mesmo! Contemplar os gestos e ações de Jesus, e ver neles uma linguagem não verbal que deixava transparecer, sem dúvida alguma, um celestial sorriso que iluminava frequentemente seu rosto. A Palavra nos ensina que a ‘alegria do coração transparece no rosto’ (Provérbios 15,13). Assim, penso responder sua primeira pergunta. Como não ver um sorriso no rosto do menino-Deus nascido para nos revelar o amor do Pai? Quantas vezes Maria e José não devem ter se deliciado com os sorrisos daquele Deus-criança? Como não ver um sorriso no rosto do Mestre ao resgatar a dignidade da mulher adúltera prestes a ser apedrejada por uma geração hipócrita (João 8, 1-11)? Como não ver um sorriso no rosto do Mestre quando os discípulos, tendo sido enviados dois a dois, voltaram para casa exultando de alegria por terem expulsados demônios e curados tantos e tantos? E o próprio Jesus se alegrando e exultando no Espírito Santo dizendo: ‘Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra porque escondestes estas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelastes aos pequeninos’. (Lucas 10, 21). Impossível não ver um celestial sorriso no rosto de Jesus em sua exultação!!! Como não ver um sorriso no rosto do Mestre depois d’Ele reviver seu amigo Lázaro, a quem tanto amava? (João 11, 3.5.33-36). Como não ver um sorriso no rosto do Mestre quando, por ocasião das bem-aventuranças, Ele diz: ‘Bem-aventurados vocês que agora choram, pois haverão de rir’ (Lc 10, 21)? Como não ver, ainda, o sorriso no rosto do Mestre quando, por ocasião da ressurreição, dobrou calmamente o sudário que o encobria e foi se lembrando da extraordinária experiência de ser gente como a gente (João 20,7)? Certamente Jesus sorria Bia! Talvez não ídaquelas ‘gargalhadas de uma ruidosa alegria’, mas aquele tipo de sorriso que, sem fazer ruído, mostra-se radioso e revela a inteireza de um ser todo voltado para Deus, em íntima sintonia e voltado para a humanidade de quem fez-se servidor”.
Além do que, se Jesus viveu em tudo a condição humana, exceto o pecado, e não sendo o sorriso um pecado (ao menos não o verdadeiro sorriso, daqueles que damos com todo nosso semblante), não haveria de furtar-se desta humana e universal expressão. O sorriso de Jesus revela-nos a alegria do coração do Pai e o sorriso de Deus para a humanidade. Como não crer no sorriso de Deus quando em seu mistério de amor trinitário, disse: “Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança”! Entreolharam-se, certamente, a Trindade Santa e... sorriram, pois assim também nos ensina o salmo 126, 2: “Então nossa boca encheu-se de riso e a nossa língua de cantos de alegria”! Como não crer no sorriso de Deus quando no sexto dia, vendo o ser humano, cume de sua criação, exclamou: “Tudo é muito bom”!!! Certamente sorriram!
A Bia tinha ouvido dizer que o sorriso era pecado; que pelo riso nossa alma se distrai da verdadeira seriedade da salvação e corria o risco de se perder! Herança da história, que não cabe aqui. Felizmente, ela aprendeu versão menos trágica e, ao que tudo indica, mais verdadeira. Não neguemos um sorriso sincero e verdadeiro às pessoas. Se ouvimos sempre dizer que os olhos são a janela da alma, ousemos crer que o sorriso é seu reflexo!! Como não crer que o Espírito Santo encha de alegria nosso sorriso e através dele e nele quer continuar manifestar radiosamente a alegria de Deus em nos amar? Talvez por isso mesmo o papa Francisco tenha dito que “um cristão triste é um triste cristão”! Nossa Senhora do sorriso nos ensine a sorrir com a inteireza de sermos, também nós, filhos do Deus de Jesus.
Diácono Robson Adriano