Em apenas um mês, fiz quatro exéquias de pessoas que, diante da dor existencial “decidiram” por terminar com a própria vida. Todos os casos, pessoas jovens ou de meia idade com uma vida toda por vir!!! Aparentemente nada foi capaz de demovê-las da impressão de que a única opção válida naquele momento, contra tamanha dor, seria o suicídio; tirar a própria vida para acabar com o sofrimento. Não houve amigos que valessem; família, leituras e nem o mais sagrado: a fé em Deus. Pessoas que, inclusive, mantinham certa “fé ativa”, um engajamento comunitário significativo, uma experiência de fé aparentemente madura. Entretanto, quando se depararam com um tipo de sentimento que colocava em xeque todo o sentido da vida e o sofrimento existencial chegou a ser insuportável, pareceu-lhes que o único sentido da vida seria tirar a própria vida.
Parece haver razão no dito que ouvimos: “o coração do outro é terra de ninguém”, no sentido de que não é propriedade nossa, não o dominamos, não o conhecemos, não podemos determinar-lhe o amor ou o ódio, a vida ou a morte e, consequentemente, fazer um juízo de valor verdadeiramente justo e misericordioso. Somente Deus é conhecedor das mazelas de nosso coração. Bem sabemos o que nos ensina a Palavra de Deus: “Ficai sabendo que o Senhor é Deus, ele nos fez e somos seus, seu povo e seu rebanho”! (Salmo 100(99) 3. Mas não basta SABER disso! Ainda mais quando somos afetados pela depressão que atinge diretamente nossa capacidade de darmos sentido à vida, às coisas e às pessoas que nos cercam e até mesmo às simples tarefas cotidianas.
Nestes tempos difíceis de provação, onde o “vale de lágrimas” se confirma mundialmente, vemos testada nossa fé, nossa esperança e nossa caridade; estas virtudes são como a “rosa dos ventos” de nossa espiritualidade. Indicam-nos o sentido, a orientação de nossa vida espiritual; virtudes que nasceram conosco e nos encaminham para o mistério da comunhão com Deus! E se existem em nós como “dons” desde o dia em que nascemos, não somos testados para sabermos se as temos ou não, mas para crescermos nelas, pois se crescermos em fé, esperança e caridade, Deus é glorificado em nós. Quando Jesus ficou sabendo que seu amigo Lázaro havia morrido, disse: “esta doença não leva à morte, mas é para a glória de Deus, para que o filho de Deus seja glorificado por ela” (João11,4). Assim como Jesus também foi testado, tentado, nós também o somos e, nele, temos todas as condições para glorificar o nome de Deus com nossas ações e decisões, com nossa fé, nossa esperança e nossa caridade.
Ouvi o depoimento de uma jovem italiana que perdeu os avós e o pai para o coronavirus. Passou a questionar a existência de Deus; começou a se convencer de que o mundo é frio e cruel demais; começou a desacreditar do bem, e ela mesma tornou-se dura e fria. Ouvi também o depoimento de outra jovem que, diante da morte dos entes queridos, expressou tristeza, sim, mas uma tristeza consolada pela fé, dizendo que é possível à humanidade vencer tudo isso, se mantivermos a solidariedade e não nos esquecermos dos que mais sofrem: idosos e doentes! O mesmo fato e duas ressonâncias interiores diferentes. Uma se fecha no sofrimento e amarga a vida, o mundo e todos ao seu redor, a começar por si mesma; a outra, não sem dor e sofrimento, mantem-se, contudo, esperançosa, confiante, celebrando a vida apesar de tudo.
O que fazer, então, quando o único sentido da vida parece ser exatamente não viver? O que fazer quando a dor parecer nos ditar o caminho do fim da vida como única opção válida? O que fazer quando todas as cores desbotam, todos os risos se entristecem e toda coragem se refugia no medo de continuar vivendo?
Questionamentos complexos a exigirem respostas nem sempre fáceis ou simples, mas que podem ser indicativas de um caminho, de uma direção, de um norte. Por isso estejamos atentos: 1º. Creiamos em Deus. E crer não é uma questão de sentir, mas de entregar-se, de acreditar que o universo inteiro tem um propósito e que o sofrimento faz parte desse propósito; 2º. Deus não está distante, mas se revelou em Jesus Cristo e despertou nossos corações para o verdadeiro amor. E não há nada maior do que este amor; absolutamente nada. E com este amor, Deus conquistou algumas pessoas para si, e consequentemente, para o bem: confie em alguém! Nunca guarde a dor só para si mesmo (a); desabafe, converse, confidencie e permita que este alguém te ajude; 3º. Nunca deixe de fazer o bem, ainda que com extremado sacrifício. O bem é a única atitude capaz de fazer-nos enxergar além de nossos próprios umbigos e de nossa própria dor e perceber que as cores, o sorriso, o destemor e a coragem não fugirão para sempre. No mais, “mantém o teu coração firme e sê constante (...) e não te afobes no tempo da contrariedade. Suporta as demoras de Deus (...) e sê constante na dor; na tua humilhação tem paciência (...) crê em Deus e ele cuidará de ti; espera nele, e dirigirá os teus caminhos; conserva seu temor, e nele permanece até à velhice”! (Eclo 2, 2b.-6).
Robson Adriano