Em qualquer lugar aonde se vá hoje em dia é comum ouvir que estamos vivendo um tempo de grandes transformações, um tempo de inúmeros desafios para a vivência e a sobrevivência do mundo e dos seres que o povoam. Talvez essa não seja uma peculiaridade desse nosso tempo – século XXI – mas de todos os tempos, uma vez que cada época supera a anterior, na medida em que resolve alguns de seus problemas e apresenta outros tantos.
Fato é que estamos vivenciando um tempo de transformações absurdas e absolutas no campo das ciências e da tecnologia, da globalização, da comunicação e da ética. Em contrapartida, batem à nossa porta antigos problemas ainda mal resolvidos, como o desemprego, a falta de moradia, as péssimas condições de saneamento, de saúde pública e de educação, a degradação do meio ambiente e, principalmente, a fome, que assola boa parte da população mundial. Sem falar nos milhares de pessoas que, fugindo de situações de violência, exclusão e miséria, procuram refugiar-se em outras terras, sem garantia de chegarem ao destino ou de serem dignamente acolhidos, se lá chegarem.
Aliado a tudo isso, ainda vemos sem respostas questões como as altas taxas de feminicídio, de suicídio, de preconceito e outras formas de violência, que todos os dias tiram a vida de jovens, em todo o mundo. Bombardeadas pelas sucessivas notícias ruins, muitas pessoas se questionam sobre o real valor da existência, sobre o sentido do seu viver e do seu estar no mundo; se debatem com questões relativas à sexualidade, à aparência, ao status social, dentre outras inquietações subjetivas e sociais. Nessa busca de encontrar-se a si mesmo, apegam-se, muitas vezes, ao universo online na palma da mão e afastam-se de interações reais com a família ou os amigos.
É neste cenário que se encontra um dos grandes desafios da Igreja atualmente: aproximar-se dos afastados e ser uma “Igreja em saída”, como nos exorta o Papa Francisco. Mas como levar o Evangelho de Jesus Cristo àqueles que perderam a esperança? Como tornar Cristo conhecido e amado num contexto de fome, exclusão e violência?
Na exortação apostólica “Gaudete et exsultate”, as palavras do Santo Padre nos impelem a uma vida de santidade e nos lembram que essa santidade passa necessariamente pela misericórdia. Ou seja, sem acolher o outro, sem sentir na pele a dor do próximo e ajudá-lo em suas necessidades, não se vive o Evangelho de Cristo. “Alegrai-vos e Exultai” é o chamado do Papa para que vivamos com alegria a missão a nós confiada, de viver a santidade, com todos os seus desafios e riscos. Cada um de nós pode encontrar a sua própria maneira de percorrer esse caminho de santidade, com pequenos gestos cotidianos, sem querer imitar esse ou aquele santo que já está na glória de Deus. Para nos encorajar, o Papa nos apresenta como referencial de santidade as Bem-aventuranças: “Felizes os pobres em espírito, os aflitos, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, e os que promovem a paz” (Mt 5, 1-12).
Entretanto, assim como ocorreu com os santos que nos precederam e com o maior de todos os santos, o próprio Jesus Cristo, todos os que procuram agir segundo a lei de Deus, hão de encontrar desafios e obstáculos, porque agem na contramão do mundo. É imperativo resistir e não se deixar abater pelas forças do mal, pois “felizes os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,10).
Nós que estamos na Igreja, participando da sua vida litúrgica e eucarística, temos o compromisso cristão de cumprir o mandamento maior: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos” (Mt 22,37-39). Somente no amor a Deus e ao irmão poderemos ser imitadores de Cristo e caminhar rumo à perfeição de que nos fala o Papa Francisco.
Portanto, um dos desafios da Igreja nos tempos atuais é incentivar ainda mais a ação missionária para que possamos ser, verdadeiramente, uma “igreja em saída”, uma igreja acolhedora, que leve Cristo aos confins da Terra e resgate aqueles irmãos que, por inúmeras circunstâncias, se afastaram da Igreja. Que sejamos uma Igreja atenta à miséria do mundo, ao irmão que sofre, ao meio ambiente que agoniza à nossa frente. Sejamos uma Igreja inserida no contexto social e político, capaz de denunciar as estruturas de morte que criam e perpetuam a desigualdade social; uma igreja que abrace, antes de condenar; que tenha o rosto e o coração de Jesus. Não é fácil pregar o amor numa cultura de ódio, o próprio Jesus nos mostrou que não se chega à ressurreição sem passar pela Cruz. Contudo, só pela via do amor e rumo à santidade, poderemos tornar o Reino de Deus presente já neste mundo.
Vera Rocha