Existe uma tendência natural em nós de considerarmos o nosso grupo melhor que os demais, e as pessoas do nosso grupo mais inteligentes, mais sábias e até mesmo mais humanas do que as pessoas dos outros grupos. Os próprios discípulos de Jesus deixaram transparecer esta tendência. “Mestre, vimos alguém, que não nos segue, expulsar demônios em teu nome, e lho proibimos”! (Marcos 9, 38); “porque não é dos nossos!” (Lucas 9, 49). Não nos seguir e não ser dos nossos impõe sobre os outros uma apreciação negativa e uma desvalorização, mesmo que algo de bom esteja sendo feito. A impressão é a de que este bem não é tão bom assim. Bom mesmo é o bem que nós fazemos. Essa tendência tende a envenenar o juízo de valor que fazemos dos que pensam diferente de nós ou agem de forma diferente, independentemente de estarem fazendo o mesmo bem. E isso é tão sério, que esta tendência pode chegar a fazer-nos competir entre nós mesmos na busca de afirmação de quem seria o melhor. Não raras vezes os discípulos de Jesus se viam às voltas com essa tendência: “Jesus perguntou-lhes: do que vocês falavam pelo caminho? Mas eles calaram-se, porque pelo caminho haviam discutido entre si qual deles seria o maior!” (Marcos 9, 33-34). Ou ainda como se indignaram depois que a mãe de dois deles pediu a Jesus que seus dois filhos se sentassem um à sua direita e outro à sua esquerda, quando chegasse o Reino. Confirma-nos o Evangelho: Os dez outros, que haviam ouvido tudo, se indignaram contra os dois irmãos!” (Mateus 20, 24).
Mas onde quero chegar com essa reflexão? Justifico-me: uma paroquiana relatou-me que em sua família as coisas andavam muito tensas porque seus filhos estavam em pé de guerra! Para simplificar, um era de esquerda, o outro de direita; e para piorar, um era da RCC (Renovação Carismática Católica) e o outro da CEBS (Comunidades Eclesiais de Base). Nem perguntei se um torcia para um time, e outro para outro! E a preocupação dela era porque a discussão tinha rompido com os limites do aceitável, havia se tornado rivalidade e instalado o ódio entre ambos, até com episódios de polícia. Facilmente vemos casos de polarização assim! Tema difícil, ainda mais espiritualmente! Nestes casos, preferimos dizer: “religião e política a gente não discute!”. Mas ela esperava uma posição minha... o que gerou esta reflexão.
Quando ainda seminarista, passei por uma experiência simples, mas edificante, que passo a contar: a reunião havia chegado a um momento tenso!! Toda a assembleia havia se divido em dois partidos aparentemente antagônicos: os de esquerda e os de direita, respectivamente, os da CEBS e os da RCC. Os primeiros reivindicavam o direito de estarem mais verdadeiramente próximos da causa do Reino devido à luta em favor dos direitos dos pobres e marginalizados da sociedade; os excluídos que Deus ama! Os segundos reivindicavam o direito de estarem mais verdadeiramente próximos da graça santificadora de Deus, por causa da presença do Espírito Santo que invocavam, e a quem se entregavam. Único que nos pode socorrer da pobreza espiritual que nos pode afastar de Deus. A luta estava praticamente empatada e os ânimos ficavam cada vez mais exaltados. Naquele momento, não havia ninguém que pudesse intervir para que fossem apaziguados os ânimos e alcançássemos um meio termo, ou um aparente ponto de equilíbrio entre a querela toda. Com a arma da Palavra em punho, digladiavam-se partidários da teologia da libertação contra os partidários da carismática renovação, todos exigindo o direito de estarem corretos e mais próximos de Deus.
Foi quando dona Pacífica (nome fictício aqui, mas que sugerirá, como verão, atitude realíssima), quase sem ser notada, pediu a palavra, depois de serem necessários quase cinco minutos para que a assembleia se pacificasse. Com seus 95 anos, e fazendo jus aos cabelos brancos que lhe impunham respeito, foi logo disparando: “Por que é que a gente não faz o seguinte: luta de dia e reza de noite? Não foi isso que Jesus fez?”.
Dona Pacífica nos apontava o essencial: a luta em prol dos pobres e excluídos de nossa sociedade, sem uma firme espiritualidade, arraigada nos dons espirituais renovados constantemente em nós pela graça de Deus, vira guerrilha, mata em nome de Deus ou, no mínimo, transforma a causa do pobre e do Evangelho em ONG, e nada mais!!! Da mesma forma, uma espiritualidade sem a firme convicção de que cabe a nós o socorro das necessidades materiais e espirituais dos irmãos e irmãs, bem como a mudança de nossas injustas estruturas sociais, econômicas e políticas, vira espiritualismo subjetivista, intimista e alienante. Nossa ação seja fecundada pela nossa oração; nossa oração seja transformada pela nossa ação! Assim, nós que cremos podemos permitir que o Espírito atualize em nós o jeito de orar e agir segundo o coração de Deus. A regra para vencermos tais antagonismos, São Paulo nos ensinou: “Quando entre vós um diz: Eu sou de Paulo – e outro – eu sou de Apolo, agimos humanamente. Mas ninguém ponha sua glória nos homens. Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus”! (1 Cor 3, 5.21). Falta-nos somente a maturidade da fé para a colocarmos em prática! Avancemos!!
Diácono Robson Adriano