A “boa provocação” para o presente texto veio de minha esposa. Fazendo a leitura orante do evangelho no domingo de páscoa, questionou-me o que poderia significar aquele pano dobrado, colocado à parte, apresentado pelo Evangelho?
No Evangelho de João, na narração das aparições que “inauguram” os acontecimentos da ressurreição, existe mesmo este detalhe; um pequeno detalhe que deveria nos provocar. Após a ressurreição do Senhor, quando o sepulcro foi encontrado vazio, um dos discípulos “observou as faixas de linho no chão, e o pano que tinha coberto a cabeça de Jesus: este pano não estava com as faixas, mas enrolado num lugar à parte” (João, 206b). João reserva um versículo inteiro para nos contar que o pano, chamado de sudário, tinha sido dobrado cuidadosamente e colocado à cabeceira do túmulo. Deveras, por que, diante do fato extraordinário da ressurreição, Jesus se preocuparia em dobrar o pano que cobriu seu rosto? Qual a intenção teológica de João? Ou seja, que aspecto da verdade de fé, o Evangelho joanino quer nos revelar?
Pois bem. Creio que nosso espanto advém da condição mortal de nossa humanidade. Para nós, reles mortais, como dizemos, ser trazido da morte à vida é um fato verdadeiramente EXTRAORDINÁRIO, ou seja, supera, vai além de nossa “ordinariedade”, por assim dizer. Humanamente nascemos e humanamente morremos, não estando ao nosso poder, por nós mesmos, irrompermos com a vida do seio da morte.
Entretanto, embora tendo sido verdadeiramente humano, e vivendo em tudo nossa condição, exceto no pecado, Jesus era também verdadeiramente divino, Filho Eterno do Eterno Pai. Ora, enquanto humano, Jesus morreu, mas enquanto divino, reassumiu sua glória, a glória que sempre teve junto do Pai. Tendo cumprido fielmente a vontade do Pai e tendo-o amado até as últimas consequências de nossos pecados, estava agora manifestado em sua divina glória. Tendo humanamente conhecido a rejeição dos que amava e aceitado livremente o sacrifício, morreu por nós para nos atestar definitivamente, depois da maior prova de amor que é dar a vida por quem amamos, que a morte não mata mais, porque mais forte que a morte é o amor de Deus.
O que, perguntemo-nos, seria EXTRAORDINÁRIO para Deus? Mas não nos apressemos em responder a partir de nossa própria experiência, mas a partir da experiência do amor que Jesus nos revelou. A resposta vem sem muito esforço: o extraordinário para Deus foi ter sido gente em seu filho; “esvaziar-se” de sua glória e poder para pensar, ver, sentir e agir como nós pensamos, vemos, sentimos e agimos, não que isto acrescentasse algo ao seu ser Deus, mas unicamente porque nos ama e quis nos revelar, assim, como Ele mesmo o faz.
Enfim, ao abrir os olhos naquele sepulcro, Jesus transcende nossa humanidade e olha agora o mundo e toda a humanidade com os olhos sem véu, vendo exatamente como seu Pai vê, e amando exatamente como ama o seu Espírito e de seu Pai. Humano e divino, exatamente onde Deus queria: unidos pelo amor! A ponto de dizer, entre “choro e riso”, no esplendor de sua gloria: agora, NÓS e o Pai, somos definitivamente um. De fato Pai, tens razão: “TUDO É MUITO BOM”, e assim dizendo “ouvia” o eco da vós do Pai que olhando para o homem e a mulher, obra prima de sua criação, disse o mesmo quando os criou. Sentado no túmulo, envolvido agora pela maravilhosa e amorosa luz do divino Espírito, amado pelo Pai, amando-o inteiramente, pega o sudário e vê a imagem de seu humano rosto. Lágrimas de luz banham seu rosto que transluz uma arrebatadora alegria. Começa, então, a lembrar-se dos abraços ternos e fartos de sua mãe; dos braços fortes e do olhar confiante de José e das orações que faziam juntos; das alegrias e dor que compartilhavam; do mistério que sempre envolveu sua vida dando sentido de céu a tudo o que fazia; Lembrou-se de seu amigo Lázaro, de cada um dos apóstolos, mesmo do beijo quente e amargo de Judas; lembrou-se da mulher adúltera que resgatou em dignidade; da hemorraíssa que apenas com um toque de afeto em seu manto e muita confiança lhe ensinou como pode ser forte a fé dos fracos; dos pobres, sofridos, oprimidos... da sua humana vida. Em cada lembrança sua, ia dobrando cuidadosamente aquele pano, reconhecendo que entre tudo o que significava ser Deus, não havia dúvida alguma que ter sido gente foi o um extraordinário e inigualável gesto de divino amor.
Enfim, de pé, à saída do sepulcro que não mais lhe prendia, Jesus não viu somente Jerusalém, mas todo o mundo, toda a nova humanidade que haveria de crer. E ouviu o Espírito Santo lhe dizer: vamos, agora temos ainda muito o que ensiná-los sobre nós, sobre o amor, sobre a Igreja...
Diácono Robson Adriano