Voltar para casa!
Existe um filme antigo que gosto muito chamado o “mágico de Oz”. Naquele filme sua protagonista, Dorothy, para poder voltar para sua casa e sair do longínquo país de Oz teve que bater seus sapatinhos mágicos de rubi, lembrando de seu lar e repetindo a frase: “não há lugar melhor do que nosso lar!”, até que acordou nos braços de sua tia e no aconchego de todos que ela amava e que a amavam igualmente.
Alguns músicos cantaram várias canções falando sobre o lar, a casa, um deles foi Arnaldo Antunes, na música “Nossa Casa”, que diz muito sobre o acolhimento do lar, o lugar onde se sente bem. O lugar onde se está bem, acredito que assim podemos interpretar.
Chitãozinho e Xororó cantaram a música “fogão de lenha”, uma música linda que fala do filho que foi tentar a vida longe da casa e resolveu voltar e, quão grande não foi sua alegria ao regressar. Paula Fernandes cantou a música “pedaço de chão” com essa mesma temática, lembrando aquela casinha, o ranchinho que era “nosso ninho”. Tudo isso para lembrar que o simbólico da casa é sempre emblemático.
Voltar para casa é sempre bom!
Verdadeiramente, pode ser simples voltar para casa depois de nossa jornada de trabalho. Regressar para casa, o local de nosso conforto e segurança, torna-se refrigério depois de longo período de labuta.
É simples voltar para casa depois de um dia nos divertindo à beira de um rio pescando com a família, estreitando os laços calorosos entre os da mesma parentela. Pode parecer simples regressar para casa depois de uma satisfatória e longa viagem de férias para praia ou após um turismo internacional. Regressar para casa e reconhecer que nosso lar é agradável e aprazível e isso é muito bom!
Estamos em época pandêmica e para aqueles que ficaram internados por vários dias, quem sabe meses, em um hospital se recuperando do lastro de sequelas mais agudas que a Covid-19 lhes causara, definitivamente é uma vitória incontestável.
Pode parecer algo simples voltar para casa, mas em determinadas circunstâncias não será.
Essa mesma ideia do retorno para casa o Senhor nos trouxe como análoga ao processo de conversão no Evangelho de Lucas, mas aquele retorno, de fato, não foi fácil, e permanecer na casa do Pai após o retorno, pode se dar noutra perspectiva de conversão: a conversão familiar.
Aquele filho mais novo, de certo cheio de ímpeto, cheio de si, sempre cuidado e cercado de zelo pela casa paterna, julgou-se por certo, forte o suficiente para poder gerir sua própria existência longe do pai e da casa paterna. Tomado por essa incrível e ilusória força das crianças inconsequentes, que brincando nos quintais de suas casas imaginam-se super-heróis, transforma seu pai em vilão e para vingar-se das prisões caseiras decide que a melhor maneira de assassinar seu algoz seria pedir-lhe sua parte na herança, executando seu plano de um latrocínio ideológico paterno.
“Dá-me a parte na herança que me cabe! ”
Que lhe cabe nessa herança moleque!? Poderia dizer-lhe o pai, mas, acolhendo a disposição livre da vontade de sua pequena criança, decide entregar-lhe o brinquedo da responsabilidade e da liberdade para que o filho mais novo se consumisse naquele lúdico existencial.
O filho mais velho, quedando-se silente, observa, por certo, enraivecido, perguntando-se: e eu? Que recebo? Que tenho?
Segue o pequeno príncipe às avessas para sua aventura numa terra longínqua... tal qual Dorothy! Tal qual o filho que sentiria saudade do fogão de lenha... Partiu com o reto desejo de não mais voltar para não ser mais o prisioneiro dos afazeres daquela casa. Não queria mais o pão, nem a lã, nem o abraço, preferiu deixar-se ferir os pés!
Retornar é difícil quando erramos porque precisamos reconhecer nossa infantilidade. Precisamos reconhecer que o passo dado foi maior que nossas pequeninas pernas neste vasto mundo. É sempre doloroso voltar, principalmente quando cometemos o crime da vaidade de julgarmos que sozinhos, do nosso jeito, na mais absoluta ausência do amor do Pai seríamos maiores que ele e de sua proposta Paterna.
Ah sim, retornar é difícil, porque sempre achamos que o caminho pode ser feito mesmo depois de tantas provas de que sem o pai tudo é mais complexo. É complicado até que nos juntamos aos porcos e às suas imundícies até nos assemelharmos a eles, deixando nossa humanidade de lado.
Nessa hora acontece um estalo em nossas consciências: tenho uma casa! Sou filho, não sou escravo! Mas, para voltar terei que regressar como um escravo e suplicar como um escravo...
A música “alô meu Deus!”, diz uma frase que resume tudo: meu coração cansado, resolveu voltar! Somente um coração cansado recorda o caminho de volta para a casa do pai. Ele não mudou de casa, não mudou de país, não mudou a si próprio porque sabe que o filho sempre volta, sempre... e de fato, quando nossos corações se cansam daquele perambular sem fim, quando nossos corações percebem que já gastaram todas as possibilidades não há outra iniciativa senão entender que “achávamos que deixar a casa paterna seria grande progresso” e no final resta-nos os porcos!
O filho mais novo nas andanças de regresso, com certeza sobrevieram sobre seu coração e consciência inúmeros pensamentos, mas de fato, o mais doloroso pode ter sido: será que serei acolhido novamente? O somatório de tudo que fiz pode ser perdoado? Que grande ansiedade... mas a certeza do acolhimento ao menos como um empregado o movia para frente. E a canção era certa: “ele não se acostumara” nas terras por onde passou.
O regresso, o retorno, é a disposição de dizer que sentiu saudades do pai... que gastou a herança do pai, como quem gasta a vida de quem lhe deu a vida. Era preciso voltar para o seu lugar, a casa paterna, o abraço, a lã, o pão, a firmeza nos pés curados.
Ele voltou...
Que trazia nas mãos?
Talentos multiplicados?
Nada além de pó, mau cheiro, cansaço, desilusão...
Mesmo assim, voltou! Para que haja o retorno é primeiro necessária uma reconciliação consigo mesmo, o filho mais novo deveria, na mesma proporção da coragem de renegar sua casa, também ter a coragem de reconhecê-la como sua. Reconhecer que viver sem o “amor do pai é uma quimera”, como diz Pe. Zezinho, e que necessitava daquele laço que cura, por isso, levou consigo os farrapos da vida, os pés descalços, o mau cheiro dos porcos, o pó da estrada sobre seu corpo. Era preciso que o filho mais novo tomasse consciência de sua miséria para que humildemente pudesse se aproximar da casa do pai...
É preciso o segundo plano da reconciliação, da conversão, o encontro com o pai que perdoa.
Ao longe... o pai vislumbra não “o lixo” do regressado. O que o pai vê? Ah o pai se encanta daquela visão, seu filho, sua carne, a continuidade de sua história. Corre-lhe ao encontro e beija-o, abraça-o, o pai foi buscar o filho fujão que regressa, o pai se adianta. Não é preciso dizer que pecou, não é preciso pedir para ser tratado como um escravo. Não, não é preciso! Ah o retorno já é muito importante! Não há mais farrapos, há a roupa nova dos filhos e não dos servos. Não há os pés descalços, mas os pés limpos do acolhimento, não há mais a miséria, mas o anel nas mãos dos senhores da casa, dos herdeiros, daquela aliança perene com a casa da qual é herdeiro. Não há mais a comida dos porcos, mas o novilho cevado e a festa à mesa dos reconciliados, há na casa do pai o pleno viver dos filhos!
A festa começa e todos estão felizes...
Mas, o terceiro plano da reconciliação está por vir...
Esse teu filho... Esse teu irmão “estava morto e voltou a viver”! Se o pai acolheu, a família toda deve acolher. Todos podem fugir de casa um dia. Todos podem, até mesmo dentro de casa, se sentirem estrangeiros. O pai acolhe a todos com o mesmo abraço, todos são herdeiros!
Pe. Jean Lúcio de Souza
Vigário Paroquial – Paróquia Sagrado Coração de Jesus – Mariana/MG