Jesus Cristo nos pede no Evangelho de Marcos para que “vivamos em paz uns com os outros”. Se trouxermos à memória, vamos nos lembrar que Jesus Ressuscitado, ao se reencontrar com seus discípulos dizia a eles “a paz esteja convosco” ou dizia “deixo-vos a paz, a minha paz vos dou”.
A paz, de modo geral, pensa-se ser um estado de ser, mas para João, por exemplo, a paz é um local, onde se cumpre a promessa feita a nossos pais – Socorreu Israel, seu servo, lembrando de sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência para sempre (Lc 1,54.55) – o socorro gera a paz é o cumprimento de uma promessa. A encarnação do Verbo é paz, sua ressurreição é paz, a edificação do Reino é paz – Venha nós o vosso reino (de paz) – Jesus nos entrega “terra prometida”, nossa paz. Nosso lugar. A paz no Reino de Deus é o lugar da libertação do aflito, do pobre e do miserável. É o lugar do perdão e da misericórdia. A paz é justiça.
Não é sem motivo que no conteúdo das bem-aventuranças Mateus dirá “bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, os promotores da paz já se acham no Reino, na terra prometida, no lugar de Deus, são seus filhos e filhas.
Logo, Marcos deseja que a comunidade descubra a paz de Jesus e vivam, todos, como filhos e filhas de Deus, porque promovem a paz.
Se formos olhar o conjunto total da liturgia da Palavra de hoje, perceberemos que a paz, enquanto lugar é porta que se abre tendo em vista o conjunto das ações que nos adequa à justiça. Não pode haver escândalo maior que a não edificação do Reino de Deus através do “não agir”, daquelas obras de injustiça e maldade dos filhos amados do Pai que não se adequam à sua vontade de amor, não querem permanecer na Videira.
Para Tiago, as obras do escândalo, as ações das mãos e dos pés, são as obras daqueles que não querem fazer o bem, tendo a possibilidade de o fazer. Aqui, o exemplo daqueles que enriquecem a partir das obras de injustiça com relação ao operário. O problema em si não está na riqueza, mas na conduta que gerou a riqueza, isto é: “o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, que vós deixastes de pagar, está gritando, e o clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do Senhor todo-poderoso. Vós vivestes luxuosamente na terra, entregues à boa vida, cevando os vossos corações para o dia da matança. Condenastes o justo e o assassinastes; ele não resiste a vós”.
O escândalo está presente nas ações que condenam os justos e assinam os pobres.
Vivemos em um país de proporções geográficas imensas, possuidor de riquezas inigualáveis. Uma terra fecunda, de gente forte e trabalhadora, contudo as desigualdades são tão grandes quanto a proporção geográfica do país. Descobrimos na história de tantas famílias o limite imposto pelo trabalho e pelo salário mínimo que não é capaz de prover, verdadeiramente, o “mínimo existencial”. Tudo é caro. Tudo se faz distante do mais pobre. A população em situação de rua aumenta. Quem tem seu trabalho submete-se a situações, por vezes, degradantes com medo de perder seu emprego. A miséria encontra nosso país em várias cidades e estados. E isto é apenas a ponta dos problemas.
Do outro lado, o alto escalão do governo aumenta seus salários de maneira quase desordenada – legislativo, judiciário, executivo, militares – são beneficiados por cifras absurdas com justificativas ainda mais absurdas para alcançar. Emendas e mais emendas para favorecer o fundo eleitoral. E a fome? E a miséria? A saúde e a educação? Todos de pires nas mãos aguardando as migalhas daqueles que vivem luxuosamente na terra, entregues à boa vida, cevando os vossos corações para o dia da matança...
Isto nos rouba a vivência da paz. Este escândalo é irreparável!
Pe. Jean Lúcio de Souza