A vida, verdadeiramente, é uma loucura. Vivemos imersos nesta dimensão de forma extensiva, ou seja, assumimos a loucura da vida para nossas vidas, mesmo que de modo sutil.
Onde se manifesta esta loucura? De modo especial percebemos esse jeito aturdido de ser em nosso relacionamento com as pessoas. Conviver com o outro nem sempre é fácil e por vezes é mais difícil do que podemos imaginar.
Acredito que existem dois níveis de convivência social específicos (que não aprofundaremos à exaustão, porque não é o ambiente para isso), a saber, aquele que podemos chamar de convivência “intra murus” e a convivência “extra murus”. O que cada um deles pode nos indicar? Comecemos pelo relacionamento “extra murus”, isto é, para fora dos muros, para além dos muros. Mas quais muros? Os muros de nossas casas.
É a forma como convivemos com as pessoas de modo geral: no trabalho, na escola, nas ruas, parques e praças, no coletivo urbano, no supermercado, nas filas de banco, com nossos superiores e com aqueles que de certa forma dependem de nossa conduta social ou profissional, nas comunidades eclesiais etc. Esta forma fala muito sobre nós, mas não se conecta ao outro de maneira mais íntima.
As pessoas que vivem fora do rastro familiar, mas que inevitavelmente convivemos, quer seja cotidianamente, quer seja esporadicamente, compõe este tipo de convivência. A qualidade deste relacionamento influenciará na qualidade de nossa convivência com os outros e os resultados disso serão refletidos na vida. São os frutos do lado de fora da casa.
A convivência nestes ambientes é mais dilatada, os ambientes e as pessoas são circulares, mudam frequentemente, por isso, esse relacionamento exige de nós uma constante variação no jeito de viver sem perder a essência do que somos (caráter). Nossas respostas serão variadas, segundo os ambientes e as pessoas. Não há, de maneira mais radical, um envolvimento pessoal intenso nos relacionamentos “para fora dos muros de nossas casas” e estes relacionamentos humanos podem ser considerados, em não rara as vezes, não tão importantes e as respostas às condutas poderão ser proteladas. Podemos ignorar pessoas e tratá-las com indiferença, esquivando-nos de condutas ácidas ou sendo evitados por termos condutas ácidas.
Certo é que, em determinado momento, fechamos janelas, apagamos as luzes, fechamos as portas, olhamos uns para os outros e vamos dizer com a mais completa formalidade social “até amanhã” e voltaremos para outro nível de convivência, o “intra murus”.
Se o primeiro tipo de convivência considerarmos ser o mais difícil, podemos nos enganar, e muito!
Regressar para casa é se encontrar com o inevitável. É se encontrar com pessoas e espaços que não podem ser ignorados ou tratados com indiferença. Ali o "amai-vos uns aos outros" é ainda mais extremo. Trata-se de regressar para dentro do “espelho” do que sou como vivente relacional de modo mais profundo e radical. É encontrar-se consigo mesmo espelhado naquelas pessoas cujos laços são fortes, laços de sangue (uma só carne), laços de compromisso ético e moral (até que a morte nos separe), contudo, o espelho poderá embaçar, sujar, até mesmo quebrar, e como fazer?
Todas as formas de salvar o que estiver para lado de dentro do muro, o que estiver dentro de nossas casas, dependerá de como cuidamos daquilo que está em nossos corações.
O coração não admite concorrência. Não pode haver dentro de nossos corações sentimentos e pessoas que concorram com aquilo que somos chamados a ser a partir daquele compromisso familiar/matrimonial que de livre e espontânea vontade foi aceito um dia. Quando a confusão, a desilusão, as dificuldades de encarar o espelho na esposa, no marido, nos filhos e filhas surgem é preciso parar, lembrando aquilo que nos ensina Santo Inácio de Loyola: em tempos de desolação não se toma decisão. E eu amplio, também não se arruma confusão!
Nesses casos, a casa, o lar, que é um grande barco chamado a avançar para águas mais profundas, deve receber reparos nas velas, no casco e na proa. O leme precisa receber óleo para ficar mais leve, quem sabe, parar em algum porto para descansar e rever a viagem.
Se o coração está se deixando levar por outros caminhos se justificando por uma “perda de interesse”, ou o “desgaste” naquela convivência intra murus, onde não há mais encontros, mas somente desentendimentos deve-se pedir ajuda à Igreja por meio dos seus pastores e pais. Os padres, diáconos, membros da pastoral familiar, membros do ECC, homens e mulheres de boa vontade em nossas comunidades que podem com clareza e retidão orientar corações vacilantes e perdidos acerca da fé, estão sempre à disposição, quando necessário e solicitado, ninguém pode adentrar em espaços sem ser convidado. Mas também, e não menos importante, a ajuda de um bom profissional da área da psicologia, de preferência cristão católico atuante, para que se estabeleça a terapia familiar sob a orientação de padrões profissionais confiáveis.
Também é certo que alguns corações chegaram àquele compromisso já corrompidos por outros desejos, amores, desilusões ou pela certeza de que escolha que fazem é uma escolha errada, mas que, por algum motivo, quem sabe medo, ou vergonha, preferem se aventurar em uma viagem em pleno mar aberto em um barco furado, sem velas, onde o capitão e/ou a capitã podem se encontrar completamente desmotivados ou um dos dois já “pulou para fora do barco” abandonando a viagem.
Nesses casos, o barco não deveria ter saído das areias do cais.
Como vimos, o relacionamento dentro de casa (intra murus), pode ser mais complexo, porque as decisões ali, são mais dolorosas se erradas e os seus frutos não saciam, pelo contrário são amargos e todos ficam tristes. Tudo deve ser bem pensado e medido. Lembremos que Deus é bom e cuida de nós e está sempre conosco em todos os lugares, sobretudo do lado de dentro do muro. Se a confusão bater na porta da casa ou do coração não abra a porta, mas se acaso abrir e ela se instalar, peça ao Espírito Santo de Deus que oriente a caminhada.
Disto, dependerá a qualidade do nosso sim ou do nosso não!
Pe. Jean Lúcio de Souza