Caros irmãos e irmãs, estamos celebrando neste dia a Solenidade da Santíssima Trindade. Um dos dias mais complexos de se fazer uma reflexão em nossas comunidades. Poderíamos ter a leve tentação (quem sabe acadêmica) em buscar, diligentemente, desvendar, de maneira definitiva, o Mistério que cobre a Trindade Santa, contudo, esse trabalho hercúleo, verdadeiramente não nos levaria adiante, se o propósito for, mesmo, o mero mistério a ser desvelado. Não conseguiríamos tal proeza jamais, aliás, o que podemos fazer é vivermos imersos no amor de um Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo.
Lembro-me hoje do grande teólogo Leonardo Boff, quando em seu livro sobre a Santíssima Trindade, nos brindou com uma reflexão séria sobre a palavra Mistério e seu significado. De modo muito sintético, mistério não seria aquilo que nos “repele” porque jamais seria compreendido, nos afastando daquilo que é e deseja revelar. Tão pouco seria algo que “relaxa” as consciências, já que não se pode alcançar, qual o motivo de se buscar? O Mistério se dá, na perspectiva do encanto, apesar de jamais se alcançar a realidade profunda que o compõe, pois, quanto mais me encanto por determinado mistério, mais desejo dele me aproximar e conhecer o que pode ser conhecido pelo intelecto.
Vinícius de Moraes, poeta brasileiro, em seu poema Primavera, diz sobre o mistério de que o amor se cerca, no entanto, não deixamos de amar alguém por causa do mistério do amor ou o mistério que é cada pessoa no chão deste mundo para o outro e para si próprio. Vinícius é claro “amar sozinho é muito ruim”, o amor, assim, é com outro. Vejamos o que nos diz o poeta:
(...) Estrela, eu lhe diria,
Desce à terra, o amor existe,
E a poesia só espera ver nascer a primavera,
para não morrer,
Não há amor sozinho,
É juntinho que ele fica bom,
Eu queria dar-lhe todo o meu carinho,
Eu queria ter felicidade.
É que o meu amor é tanto,
Um encanto que não tem mais fim, (...)
Amor, eu lhe direi,
Amor que eu tanto procurei,
Ah! quem me dera eu pudesse ser,
A tua primavera e depois morrer (... de amor).
Lindo poema!
Quem ama assim, verdade, todo dia é primavera, todo dia é novidade em cor na vida. Quem ama assim, não tem medo do mistério, mas dele se aproxima e o deseja e chega a dizer até à estrela etérea, sem o amor, para vir à terra conhecê-lo.
Partindo daí, e perdoem-me o vagar em Vinícius, entendo que o Mistério do Amor é o Mistério da Trindade, afinal, lá no antigo testamento aprendemos que amar a Deus e amar o outro são mandamentos profundos da fé, por isso, Mistério na edificação do Reino de Deus, que se faz amando-O nos outros.
E Jesus Cristo endossa: este é o meu mandamento, amai-vos uns aos outros como eu amei vocês. Jesus, amado pelo Pai, amado pelo Espírito, nos ama de modo perfeito.
Como nos diz o querido evangelista São João em sua primeira carta (1Jo 4,7.8): amados amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus, porque Deus é Amor. Logo, se assim começamos nossa caminhada de entendimento sobre o Mistério e se entendemos que o Mistério é o Amor, que é Deus, a Solenidade de hoje ganha maior sentido se nos descobrirmos, pelo Batismo, anexados ao corpo Místico de Jesus, e ligados à Videira Verdadeira, só poderemos dar frutos imersos no Mistério Trinitário que é Amor.
O Pai cuida da Videira Verdadeira, que é Jesus, que, impulsionado pelo Espírito Santo, segue a missão que Lhe fora entregue pelo Pai – Jesus então voltou para Galileia, com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda região circunvizinha. Ensinava em suas sinagogas e era glorificado por todos (Lc 4,14.15) – e anunciava e vivia no Espírito de Deus.
Vejamos que Mistério profundíssimo de amor. Olhemos: onde estamos plantados? No mais perfeito Amor Trinitário.
Por essa razão, Jesus, voltando às origens com os discípulos (Galileia), após a sua ressurreição, apresenta-se diante deles, Verdadeiro Deus (prostraram-se diante Dele) e Verdadeiro Homem, e os comunica sua autoridade. Mas que autoridade é essa?
Sobre essa autoridade/poder Trinitário nos ensina Hilário de Poitiers: Tudo, portanto, está ordenado segundo as suas perfeições e méritos: um só Poder do qual tudo procede, um só Filho por quem tudo começa, um só Dom que é penhor da esperança perfeita. Nenhuma deficiência pode encontrar-se nesta perfeição infinita. Tudo é perfeitíssimo na Trindade, Pai, filho e Espírito Santo: a infinidade no Eterno, o esplendor na Imagem, a atividade no Dom. Aquele que provém do Perfeito é perfeito, porque Aquele que tem tudo lhe deu tudo.
E claro, nada mais perfeito que o Amor, como diz Hilário, Deus sabe ser unicamente amor.
A autoridade de Deus nosso Pai que foi entregue a Jesus, não é a autoridade e o poder como o mundo conhece, ou seja, a submissão onde os súditos são obrigados a obedecer a um suserano. A autoridade de Jesus é o Amor, o poder de Deus é Amor. O discípulo é aquele que se descobre amado e assim se descobrindo irá agir como aquele que desce para lavar os pés e não para exigir que os seus pés lhes sejam lavados.
Celebrar a Solenidade da Santíssima Trindade é compreender que estamos no seio do Amor de Deus Uno e Trino. Que agimos neste lugar tanto quanto nos entendemos e nos descobrimos amados. Por isso o Batismo nos confere a missão do discípulo que segue o caminho de Deus amando e servindo. Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, significa a partilha do discipulado com todas as nações, isto é viver deste Mistério que nos encanta e, seduzidos por ele, a estarmos cada vez mais presentes neste amar-serviço e acolhimento.
O compromisso de Jesus conosco é seu compromisso na carne, na história e no Espírito – Ele é o Emmanuel, Deus conosco – presente conosco até o fim dos tempos. Ele nos revela o amor do Pai e, com o Pai, nos envia o Espírito Santo, para jamais nos sentirmos desamparados na missão de estender ao mundo o amor de Deus, que nos tornou a todos discípulos. Lembremos sempre, a autoridade de Deus, o poder de Deus é sempre libertação dos cativos e jamais cativar os libertos em seu Amor!
Pe. Jean Lúcio de Souza