Caros irmãos e irmãs, saudações e paz em Jesus Cristo o Justo e Santo, Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem!
A Igreja Católica, neste dia de tanta alegria celebra, reunida com seus filhos e filhas, o sacrossanto dom da Eucaristia entregue a toda comunidade como memorial perene do Sacrifício do Senhor na cruz e sua gloriosa Ressurreição que nos justifica diante de Deus nosso Pai Eterno.
Compreender esse mistério exige de nós um assentimento com o coração orante e vivamente presente no meio da comunidade reunida em torno do Senhor que se dá em alimento e se reparte no pão e no vinho consagrados.
Neste sentido, percebemos que a alusão presente no Antigo Testamento que se encontra presente na primeira leitura do livro do Êxodo é símbolo perfeito e prefigura a doação do Senhor na história da salvação. Moisés lê a lei antes. É preciso que a comunidade dê assentimento à Palavra Eterna do Pai que se configura na forma de uma lei a ser observada. Lei esta que causa “tremendo” pavor àqueles que a escutam por terem visto como o Senhor é tremendo ao retirá-los do Egito com mão forte, como o Senhor é tremendo na coluna de fogo, como o Senhor é tremendo na montanha, ali o Senhor se manifesta, no alto do monte que fumega, cujos raios e trovões são ensurdecedores e todos no acampamento tremeram de medo (Ex 19,16ss). Deus mesmo se manifesta e com a entrega da lei a Moisés, entrega-se o caminho a ser seguido até a vida eterna.
Ler significa compreender o pedido e as instruções do Deus Tremendo. Ali ocorreu um sacrifício pacífico de animais que pudesse satisfazer o Eterno. Sangue é aspergido sobre o povo que, estabelece sob esse sangue animal, uma aliança com Deus.
Há, portanto, o entender que é preciso compreender que o Senhor estabelece uma aliança com seu povo, mas um outro sacrifício será realizado, justificando todos de toda história, que se dará em Jesus Cristo que no amor se derrama sobre todos nós, doa-se concedendo-nos a vida. Ouvir o mandamento do amor é deixar-se aspergir pelo sangue do Cristo que jorrou de seu lado aberto como sacramento de vida eterna.
A memória do sacrifício antigo atinge sua plenitude em Jesus Cristo – não vim para abolir a Lei, mas para dar-lhe pleno cumprimento (Mt 5,17-19) – e a cruz é local do cumprimento da Lei Mosaica, Deus que se entrega, que se oferece de maneira única, perfeita, plena e indefectível no altar do madeiro. Seu amor é nossa Lei.
Jesus ofertou-se a si mesmo como sacrifício e ressuscitou vencendo a morte. Toda realidade desta doação se torna presente na Eucaristia, pela qual, tornamos presente, de modo celebrado, no meio da comunidade a memória de sua doação.
Não há como negar, Jesus é ao mesmo tempo, sacrifício vivo, isto é, a vítima sem igual, o Cordeiro, mas também é o Sumo e Eterno Sacerdote da nova Aliança que imola o sacrifício de si ao Pai (ninguém tira minha vida eu a dou livremente) e nós, anexados a Ele, no santo Batismo, recebemos um Sacerdócio Régio para oferecermos este Santíssimo Sacrifício, agradável ao Pai. Nos assimilamos a Ele e Dele nos alimentamos para sermos em Jesus Eucaristia no chão deste mundo. Somente o sangue de Jesus torna-se sacrifico perfeito, sendo símbolo de sua doação ao Pai, sem reservas em nosso favor, vítima pura e pacífica que nos reconcilia com o Eterno Deus.
Marcos nos apresenta um cenário eucarístico e complexo. Preparar a Páscoa é já preparar o Cordeiro para o sacrifício e adentra no conteúdo da festa judaica e que Jesus, enquanto judeu, se vê inserido no cumprimento da Lei, contudo, a reconfigurará dando-lhe pleno cumprimento também. A casa, a sala de cima torna-se a “casa da entrega”, do anúncio e comprometimento com a obediência ao Pai até o fim. O andar de cima chama-nos a atenção para a subida até o calvário, uma busca pelas coisas do alto, o nascimento do lado aberto de Cristo. Ali no alto da cruz se completa o sacrifício pascal, a Nova Aliança é consumada.
Neste sentido o pão e o vinho são apresentados como interlocutores da nova realidade e intimidade com os irmãos e irmãs na fé eucarística. Sabemos muito bem o que a mesa significava para o povo judeu. Era mais que o lugar do encontro dos comensais, significava a mais pura intimidade. Tomavam os alimentos com as mãos num prato comum de identificação com a mesma proposta. Tudo era partilhado, do olhar à conversa, do alimento ao encontro com o desejo de unidade que dava na mesa. O Pão e o Vinho é o todo que se consuma na mesa da fraternidade, da comum unidade, que, mesmo comunicando a tragicidade da traição de Judas e o martírio do Senhor Jesus, há envolto a esperança de que o Reino se consumará no amor do Cristo.
Corpo partido e Sangue derramado: o Cordeiro é imolado e todos participam da Páscoa histórica com o Senhor.
Tomai... é de vocês esse alimento. Tomai... é por vocês, para vocês e só pode acontecer no meio de vocês. É o memorial da Eterna e Nova Aliança. Todos comem, todos bebem, não há excluídos. Pensemos em dois outros personagens ocultos de que não se tem referências alguma: o homem do jarro com água e o dono da casa, quem são? Um mistério que se prolonga em cada irmão e irmã desconhecidos mundo afora que são chamados à mesma comunhão. Como nos lembra o Papa Francisco: todos, todos, todos têm lugar na Igreja, portanto, lugar à mesa com o Senhor. É para todos o “tomai” é para todos o “bebei”.
Jesus é, portanto, autor de um novo caminho, o caminho da ação de graças, o caminho da cruz e da ressurreição, um caminho de vida para todos e todas. Ele mesmo se entrega no pão e no vinho, expressões de sua doação total que, consagrados em sua Palavra, a ordem material se transmuta à ordem espiritual.
A Eucaristia, Santíssimos corpo e sangue do Senhor, é a partilha de sua vida com todos nós. É sacrifício, doação de si. É comunhão e unidade em Seu corpo e sangue partilhados na intimidade da ceia. Trata-se do caminho-amor-doação de Jesus, ou seja, partir o pão é repartir a si mesmo para todos e todas, eucaristizados, são chamados à mesma partilha de si aos demais com o Cristo!
Aqui o Deus Tremendo abre espaço ao Deus Fascinante. Já não temos lugar para uma montanha que fumega, nem raios e nem trovões. Não se escutam trombetas.
Temos a voz do Deus humano que diz ter sede da salvação de todos, que diz "hoje mesmo estará comigo no paraíso ao pecador arrependido", que diz à mãe desamparada e ao discípulo amado que contemplam sua Paixão, para que se acolham como família no laço eclesial. Que mesmo no alto da cruz é capaz de solfejar a todos os dons do Espírito Santo. Aqui, Deus se revela no alto da cruz e diz que tudo se consuma em seu amor partilhado e repartido. É do alto da cruz que se reconfigura também o rosto de Deus. Continua Tremendo porque se doa de modo extremo a todos, Tremendo porque sabe perdoar o mais horrendo pecador, mas é também Fascinante porque somente um Deus que é amor e que só sabe amar pode se dar na cruz, vencer a morte e se fazer presente, vivamente na Eucaristia, como continuidade do seu amor por toda pessoa.
Assim, a partilha do corpo e sangue de Jesus nesta ceia pascal é comunicado de extrema alegria e simplicidade de coração. A alegria provém da viva consciência de que ao celebrarmos a Eucaristia, toda assembleia é presidida pelo Senhor que se dá a nós. Ele ao se mostrar aos seus como ressuscitado vai transformando a realidade onde o Cristo é exaltado pelo Pai que O enviou a cumprir sua santa vontade. O Cristo é, na ceia, e por todos os dias, presença relacional, uma presença que busca estabelecer um diálogo com todos nós. É presença real, fonte e fundamento de todas as formas de presença que se desenvolverão ao longo da celebração e sendo “presença na ausência” se manifesta através de realidades criadas [pão e vinho] (Gopegui, 2008) e por tudo isso a assembleia se alegra no Senhor.
Tendo em vista toda realidade aqui comunicada damos nosso Amém como um brado em nossas comunidades e expressamos dentro dos templos e fora deles que temos um Deus que se fez alimento no sacrifício vivo de seu corpo e sangue. Nosso brado ecoa pelo mundo porque trazemos em nossas mãos o cálice abençoado pela comunidade e o pão partilhado nas mãos dos irmãos e irmãs que professam uma só fé e comungantes, assumem em suas vidas um outro “amém”, aquele que nos implica sermos Eucaristia com o Senhor por onde passarmos. Somos e devemos ser a alegria dos comensais que entenderam o mistério do corpo e do sangue do Senhor não como mero cumprimento de um rito tradicional da Igreja católica, mas que percebem vivamente que a Eucaristia é compromisso de amor, nova Lei lida escancaradamente diante do povo – amai-vos – uma nova aspersão – tomai e comei, tomai e bebei – um novo jeito de ser, uma Nova e Eterna Aliança em um Deus que humanado faz-se conosco para sempre enquanto sacramento de Amor na ação de graças cotidiana sobre os altares de nossas igreja e de nossos corações!
Pe. Jean Lúcio de Souza