A Liturgia da Palavra nos coloca hoje em um lugar especial na experiência de quem professa, declara e assume seu compromisso cristológico, ou seja, o reconhecimento de Jesus Cristo, que se revela à comunidade, e esta fé proclamada foi confiada aos apóstolos como depositários fiéis para transmiti-la e confirmá-la com Pedro os irmãos e irmãs que nasceram do lado aberto do Senhor crucificado.
Jesus estabelece um diálogo com os discípulos que parte de duas perguntas: uma que se refere às pessoas de modo “aleatório”, quem eles dizem ser o Filho do Homem. As respostas estão desconectadas e sem unidade no campo da fé, apresenta-se como sinal de dispersão: alguns dizem... outros dizem... outros ainda...
Quando a mesma pergunta se volta para os discípulos, a resposta de Pedro gera uma unidade quanto à fé que se deve professar em Jesus, Pedro declara como revelação do Pai e com o dom do Espírito: Tu és o Messias, o Filho do Deus Vivo. A resposta do apóstolo tem dois conteúdos específicos. O primeiro a revelação de que Jesus é o ungido do Pai (Messias = Cristo = Ungido). A segunda a revelação de que é verdadeiramente Jesus o Filho de Deus. Uma base inequívoca de nossa fé cristã que gera um compromisso na ordem do anúncio.
A constituição dogmática “Dei Verbum”, nos ensina em seu nº 166º seguinte:
“Ao Deus que se revela deve-se ‘a obediência da fé’, pela qual o homem livremente se entrega todo a Deus prestando ‘ao Deus revelador um obséquio pleno do intelecto e da vontade’ e dando voluntário assentimento à revelação feita por Ele. Para que se preste essa fé, exigem-se a graça prévia e adjuvante de Deus e os auxílios do Espírito Santo, que move o coração e converte-o a Deus, abre os olhos da mente e dá ‘a todos suavidade no consentir e crer na verdade’. A fim de tornar sempre mais profunda a compreensão da Revelação, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa continuamente a fé por meio de seus dons”.
Logo, nosso Deus se deu a revelar à Igreja na resposta de Pedro e aí está assentada a Igreja. É justamente nesta profissão de fé que nos tornamos cada vez mais autênticos e dela não podemos nos desviar. É Deus mesmo que age em nós, como agiu em Pedro, para que nosso coração se volte para Ele e o respondamos com a fé que Ele mesmo inculca em nós.
No mesmo diálogo/ensinamento Jesus continua o anúncio das realidades da fé que tange à sua pessoa, entre elas, as realidades da paixão, morte e ressurreição. Nesta parte da Revelação surge uma “crise”. Qual crise seria esta? Assim como todo Israel, os discípulos esperavam a vinda de um Messias glorioso, vitorioso, que chegaria transformando a realidade via a manifestação de um poder imperial. Contudo, a face do Messias que Jesus apresenta é a de um servo sofredor, de um cordeiro que se entrega ao abate, manso e humilde. Justamente neste ponto a crise ganha contornos conflitantes e neste momento, Pedro, toma a palavra, sob o pálio das chaves e de seu “novo compromisso” frente aos iguais e repreendeu Jesus – que tal coisa não aconteça!
A nova contradição: a Pedra se transforma em pedra? Provocado por uma intervenção não agraciada por Deus, Pedro é surpreendido com a invectiva de Jesus conclamando-o ao discipulado. Ele pode ter recebido a Revelação do alto, mas é discípulo, continua discípulo e sempre o será. Satanás quer dizer “opositor” ou “aquele que se opõe”. Quem se opõe avança à frente do oponente tentando enfrentá-lo, portanto, faz-se adversário.
Na tradução da Bíblia TEB (tradução ecumênica) o versículo 23 possui uma tradução interessantíssima: “Ele porém, voltando-se disse a Pedro: Afasta-te. Põe-te para trás de mim, Satanás! Tu és para mim ocasião de queda, pois teus intentos não são os de Deus, mas os dos homens”. Percebam que a proposta agora é a de retorno para trás, ou seja, um regresso ao discipulado, um reconhecimento pleno que Pedro participa de uma missão que não é dele, mas que lhe foi entregue. Lembramos das Palavras do Evangelista e Apóstolo São João em seu Evangelho (13,16) – o servo não é maior que o seu Senhor, nem o enviado maior do que quem o enviou – logo, Pedro enquanto apóstolo, é chamado a se colocar em seu lugar: enviado.
Conservemos em nossos corações esses santos ensinamentos que brotam do Evangelho para mantermos sempre nossa unidade eclesial com Cristo.
Pe. Jean Lúcio de Souza