Neste sábado, caros irmãos e irmãs, celebrando a memória do martírio de São Lourenço, santo diácono de nossa Igreja, queremos louvar e bendizer a Deus, juntamente com os diáconos de nossa Arquidiocese de Mariana, sobretudo com nossos queridos irmãos Vicente Sampaio e Robson Adriano, diáconos permanentes, que têm servido diligentemente a porção do povo santo de Deus em nossa família paroquial do Sagrado Coração de Jesus.
O diácono é verdadeiramente um dom na Igreja, dimensão perfeita do serviço da caridade e do reto anúncio da Santíssima Palavra do Senhor. Ao lado de seu serviço ministerial, jamais separados de sua missão clerical, assumem todos os ofícios a eles inerentes, sem se esquecer da missão matrimonial assumida com suas famílias – esposas, filhas (os) e netas (os) – que enriquecem a Igreja com seu testemunho de afeto, respeito e solicitude.
Nas palavras da Constituição Dogmática Lumem Gentium:
“Pois que, fortalecidos com a graça sacramental, servem o Povo de Deus em união com o Bispo e o seu presbitério, no ministério da Liturgia, da palavra e da caridade. É próprio do diácono, segundo for cometido pela competente autoridade, administrar solenemente o Batismo, guardar e distribuir a Eucaristia, assistir e abençoar o Matrimônio em nome da Igreja, levar o viático aos moribundos, ler aos fiéis a Sagrada Escritura, instruir e exortar o povo, presidir ao culto e à oração dos fiéis, administrar os sacramentais, dirigir os ritos do funeral e da sepultura. Consagrados aos ofícios da caridade e da administração, lembrem-se os diáconos da recomendação de S. Policarpo: «misericordiosos, diligentes, caminhando na verdade do Senhor, que se fez servo de todos» (110)” [LG,29].
E ainda nas normas fundamentais para a formação dos diáconos permanentes, diretório do ministério e da vida dos diáconos permanentes (Va, CEC/CC, 1998):
“O diaconato permanente constitui um enriquecimento importante para a missão da Igreja. (30) Uma vez que os munera que competem aos diáconos são necessários à vida da Igreja, (31) é conveniente e útil que, sobretudo nos territórios de missão, (32) os homens que na Igreja são chamados a um ministério verdadeiramente diaconal, quer na vida litúrgica e pastoral, quer nas obras sociais e caritativas, « sejam fortificados por meio da imposição das mãos, transmitida desde o tempo dos Apóstolos e sejam mais estreitamente unidos ao altar, para poder explicar mais frutuosamente o seu ministério com a ajuda da graça sacramental do diaconato». (33)”
Nosso pároco, Padre Marcelo Santiago e demais instâncias paroquiais se rejubilam com tamanho dom de Deus entre nós.
Hoje, na Liturgia da Palavra, de modo especial no Santo Evangelho, a comunidade de João (12,24-26) nos leva a uma reflexão com grande intensidade. Para sermos inseridos na teologia desta perícope precisaremos voltar a versículos anteriores e dividi-los em dois ambientes (12,12-19; 20-23) que abrem o texto de hoje (12,24-26). Neste caso seria muito importante que o leitor tomasse sua bíblia nas mãos para acompanhar a leitura orante do texto que estamos indicando.
Antes do discurso de Jesus sobre a semente que deve cair na terra e precisamente deve morrer, possuímos dois momentos em que João, em nosso sentir, apresenta à comunidade o enraizamento daquela motivação. No espaço textual entre os versículos 12-19 encontramos a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém. Em João esta entrada não se estende tanto quanto nos sinóticos, possui um relato mais enxuto, mas com uma carga simbólica considerável.
A entrada de Jesus em Jerusalém tem significado real. Os ramos de palmeira lembram as grandes solenidades e as festas, mas, sobretudo, deveriam servir para saudar o Messias que viria resgatar seu povo. Neste sentido a aclamação “hosana”, expressão que se dirige a Deus para que atenda às preces de Seu povo quer dizer “salva-nos”. Há nestes dois espaços uma base que serve de esperança ao povo: quando vêem Jesus, o Bendito de Deus, percebem que suas preces estão sendo atendidas. A fama de Jesus se dá em virtude da ressurreição de Lázaro, Ele lhe devolve a vida, a prece do “Bendito” dirigida ao Pai é ouvida, há um vencedor entre eles e crendo assim, esperam em Jesus como esperam no rei-Messias triunfal, a luz do mundo.
A expressão “todos”, pode ser lida como “o mundo” vem atrás dele e isso não seria exagero nem histórico e tão pouco espiritual. A realidade daquela festa alcançava inúmeras pessoas de judeus devotos a simpatizantes de outras nações, muitos estavam ali, mas ao mesmo tempo é simbólico que o mundo reconheça que o pedido – hosana – foi atendido. Jesus é, de fato, o salvador.
A menção que se faz sobre a presença de gregos no ambiente lembra o mundo pagão, ou seja, aqueles outros que “irão crer”, aqueles que “não são deste redil”, mas que pertencem ao Cristo e por Ele são igualmente resgatados no amor. Todo mundo é resgatado. A salvação está à vista de todos e, neste sentido, vale a pena lembrar que a comunidade de João é a comunidade dos gregos, dos estrangeiros.
Interessante frisar que quando os gregos se dirigem a André e Filipe, os únicos dos discípulos com nomes gregos, lembra-nos uma linguagem de acolhimento total. A possibilidade de se chegar aos discípulos é a possibilidade que Jesus concedeu aos seus discípulos na amplitude do amor que salva e que atinge a todos.
Quando o pedido é feito a Jesus – querem ver-Te –, parece haver um corte textual, mas acredita-se ser proposital, pois Jesus irá abrir a porta para um novo entendimento.
A hora está chegando (23) em que o Filho do Homem será glorificado. No versículo 16 onde se lê que os discípulos não compreendiam aquela realidade da entrada de Jesus em Jerusalém e que Nele estava presente a resposta à oração/pedido “Senhor salva-nos” - que é a mesma expressão de Pedro quando afunda nas águas (Mt 14,30.31) - só compreenderão quando Jesus fora glorificado em sua morte e ressurreição. O Filho do Homem será glorificado, mas não naquela esperança triunfal. Ele vem manso e humilde. Ele se entregará ao sacrifício e não dirá uma só palavra, silencioso como o grão de trigo.
Nos sinóticos na parábola da semente, ela é apresentada como símbolo do Reino silencioso que vai se dando no meio de nós. Aqui, em João, ocorre uma mudança de paradigma, a semente é Jesus, é Ele que se entrega à terra, seu corpo partido e seu sangue derramado fecundam a história da salvação. Ele é o resgate pagando o preço em si mesmo por todos nós. Jesus doa o dom de sua própria vida – ninguém a tira de mim, eu a dou – e se dando na liberdade de seu amor nutre a vida de esperança. É aqui que o mundo encontra espaço no coração do “Bendito de Deus”.
Mas, a comunidade está com Jesus. Quando Ele morre gerando a vida produz muito fruto. Nós estamos em Jesus, somos os frutos do seu amor, todos os discípulos do mundo somos chamados a morrer com Ele e gerar a vida com Jesus. Ele nos amou mais que amou sua vida, por isso, sua vida se torna abundante e se comunica a todos nós, frutos do seu coração terníssimo. Morrer é servir. Servir é amar. Amar é comunicar a vida. A morte aqui não possui a carga simbólica fúnebre que conhecemos, a morte é o trocadilho poético da doação na existência: A mor-te = Amo-te = doo-me a ti.
Servir no Senhor na mais pura diaconia (serviço da caridade) é ser grão de trigo também. O Senhor nos convida à experiência na doação de si com Ele morrendo (amando) um pouco naquilo que fazemos aos outros, nos doando em favor e em resgate da vida humana e da vida em outras expressões no chão deste mundo, dom de Deus. É nesse doar que com o Cristo também nos tornamos os “benditos de Deus”, é no doar que nos tornamos resposta com o Cristo ao “hosana” ecoado mundo afora, é com o Cristo que nos tornamos ponte para que o mundo possa se encontrar com o dom o amor de Deus e lá Ele será glorificado.
Pe. Jean Lúcio de Souza