Irmãos e irmãs,
Chegamos ao dia solene em que nós cristãos(ãs) nos reunimos enquanto família de Deus, povo Sacerdotal, para com o Cristo oferecermos ao Pai o dom de Si mesmo recordando sua oblação em favor do mundo. Nos reunimos para ouvir, para nos alimentar e nutridos da fé Eucarística seguir nosso caminho com esperança e renovado ardor caritativo.
A Liturgia da Palavra neste domingo nos situa na continuação do discurso cristológico sobre o Pão da Vida. Uma catequese eucarística, pura ação de graças, que a comunidade de João nos oferece. Enquanto ato catequético, é preciso que a comunidade católica que a ouve, deixe-a ecoar em sua vida, quer no âmbito pessoal, quer no âmbito comunitário, assumindo um compromisso de vida no Cristo em favor dos irmãos e irmãs.
A vida, por vezes, é um deserto. Não precisaremos nos retirar ou nos “isolar” do mundo para experimentar o calor e a aridez do deserto existencial. Será no ambiente da existência que poderemos experimentar a dureza do viver. Como diz o autor do eclesiástico “enorme dificuldade foi criada para todos os homens, pesado jugo para os filhos de Adão, desde o dia em que saíram do ventre materno, até o dia em que voltarem para a mãe comum” (Eclº 40,1), a vida, a maior parte dela, pode ser tristeza e desilusão. E, quem sabe, não seja mesmo!? Ainda que seja graciosa a vida, ela nos experimenta e nos prova, a vida nos testa, a vida quer de nós, muitas vezes um testemunho de coragem. Existir é um ato de ser na luta, onde, no cotidiano, vamos sendo provados como o ouro, que para ser puro e perfeito, é testado, provado, dourado pelo fogo.
Viver é caminhar. Um caminhar que nos leva longe, seguindo rumo à experiência definitiva de um “descansar” no éon (tempo da graça). Todo caminho é vida. Toda vida é caminhar. Somos caminheiros. Nenhum caminheiro, por mais experiente que seja, e que pretenda chegar ao destino almejado, sem se cuidar e sem se alimentar, perecerá ao longo da estrada e sua pretensão será frustrada.
É preciso se alimentar. O alimento é companheiro na caminhada. Podemos nos desfazer de toda bagagem, mas não nos desfazemos do alimento. O alimento quase forma-se em simbiose com o caminhante, aliás o alimento é parte do caminheiro. Sem o alimento o caminheiro morre, a fome em sobressalto trará a ele ilusões, vertigens, fraqueza, desânimo, sono e a desistência de si e da caminhada.
É o que podemos perceber na experiência simbólica do profeta Elias. O cansaço lhe veio ao longo do caminho. A vida estava provando-o na caminhada e ele está pronto para desistir, ele pede a morte porque se perde no caminho. O profeta também se cansa! Desiludido deita e espera a morte chegar, mas para seu espanto, o que lhe chega? Alimento! Pão e água! O profeta se alimenta e é orientado pela voz do anjo – levanta-te e come pois o caminho é longo – segue seu destino rumo ao encontro de Deus...
A voz do profeta é a voz do silêncio no meio do labirinto da vida, mas há uma esperança, pois ele sabe a quem se dirigir com o seu “basta”. A suavidade de Deus é percebida no toque que o profeta recebe no auge de sua desilusão. Levanta-te profeta, tens um encontro comigo, lá adiante... Este infeliz gritou a Deus, e foi ouvido, e o Senhor o libertou de toda angústia. Mas o infeliz, que se desilude, não é só o profeta, podemos ser todos nós. E Ele nos ouve, e nos fortalece na caminhada fartando-nos com o dom de si.
Se de um lado o Eclesiástico pode dizer sobre as agruras encontradas na vida dos filhos(as) de Adão, lado outro, o salmista (136 [135], 1-4) celebra sua esperança no amor de Deus:
Celebrarei ao Senhor, porque Ele é bom,
Porque seu amor é para sempre!
Celebrarei o Deus dos deuses,
Porque o seu amor é para sempre!
Celebrarei ao Senhor dos senhores,
Porque seu amor é para sempre!
Só Ele realizou maravilhas,
Porque seu amor é para sempre!
E esta celebração é ação de graças no Senhor que se faz alimento ao caminheiro. O amor de Deus é celebrado e vivido em toda Eucaristia porque Ele mesmo prepara a mesa e Ele mesmo se dá no Pão e no Vinho que consagramos, Ele mesmo se consagra por nós! E nós, na caminhada, ofereceremos um sacrifício de louvor, invocando o nome do Senhor (Sl 115,17). Ele é o alimento de Ação de Graças que veio como Caminheiro, Deus que caminha com seu povo, e no caminho de dá a conhecer em alimento.
Se em João encontramos a dificuldade e rejeição de Jesus (mais uma vez), devemos lembrar que o próprio Evangelista já havia predito no prólogo – veio para os que eram seus e os seus não o receberam (1,11) – quis se dar, mas não o quiseram receber. Por isso Jesus declara no v. 36 que os murmurantes “veem, mas não creem”, duros de coração preferem perecer ao longo do caminho de fome e sede do Eterno.
É preciso “ver” Jesus, mas um ver profundo, que gera intimidade, a experiência genuína de encontro com o Senhor, Dom de Deus. Sem a intimidade de ver – estar com o Senhor – não se pode crer, não se consegue crer se a frequência na escola do Senhor Pão vivo, não se der com Ele na caminhada. Por isso, o alimento é com caminheiro. Lá em Jo 12,21 os gregos querem ver Jesus, querem estar com Jesus, pão da vida. Os primeiros discípulos ao se encontrarem com o Senhor pedem solenemente querem [ver] onde Jesus mora (Jo 1,38). Querem estar com o Alimento no caminho. Em Lucas os discípulos de Emaús têm seu coração ardendo pois ao longo do caminho Jesus se dá em Alimento Palavra e, chegando em casa, ao partir-se em Pão de ação de graças, alimentados de modo sublime, os olhos se abrem e eles retomam o caminho de encontra com a Igreja que queda-se parada na desesperança e anunciam como reconheceram o Senhor na fração do Pão (Lc 24,35).
Portanto, ao longo do caminho, o papel da murmuração cabe aos que não querem se encontrar de verdade com o Senhor, não querem “ver” Jesus, não querem a intimidade de vida com Jesus. Murmuram como se murmurassem no deserto da desesperança. Murmuram porque apenas conseguem ver o filho de José (simbólico da não intimidade que ensina e alimenta) e não se encontram com a realidade do Pão da Vida, o Filho do Deus Vivo e Verdadeiro. É bom lembrar que, para quem não quer crer, não adianta explicar...
É crendo que conseguimos entender na fé o quanto somos atraídos pelo amor de Deus que celebramos, compreendemos ainda mais o quanto o seu amor faz maravilhas por nós, o quão suave é o Senhor no caminho, caminhando conosco e se dando em alimento. Sendo atraído somos instruídos através do Verbo de Deus feito carne, ouvindo a vontade do Pai no seio da comunidade. Ouvir Jesus é seguir seus passos, é seguir o caminho verdadeiro que nos leva ao Pai, Deus da vida. Assim, crendo no caminho, somos saciados, e saciados, recebemos a vida de Deus, a vida para além do tempo, que suplanta o tempo, a vida Eterna.
Jesus Pão da Vida não é como o maná. O maná é alimento material, alimento que perece e se perde na história dos caminhantes murmurantes e que vivem com fome, vivem com saudade do Egito e da escravidão. A escravidão é a desilusão na existência. A desilusão é o pão amargo dos desesperados ao longo do caminho. Jesus, Pão da Vida é o Pão saboroso e forte que nos sustenta na caminhada, que, mesmo por vezes pesada, não nos sentimos desamparados, porque o Alimento-Jesus é conosco!
Jesus é Pão. Pão-Verbo Palavra Eterna que é caminho para os peregrinos. Jesus é Pão-Carne, corpo partido e sangue derramado em favor de todo mundo, que alimenta o mundo cansado na caminhada.
E mais, Ele não é somente o Pão da Vida, mas sendo o Filho do Deus Vivo, Jesus é o Pão Vivo (51), ou seja, Jesus tem a vida do Pai em si mesmo e no-la comunica, uma vida nova nos é concedida em Jesus. Quando aderimos ao Pão Vivo descido do céu recebemos em nós mesmos a vida de Deus que é em plenitude para além do tempo. Ele é o Pão presente em nossa existência, no já, no agora e para sempre. É carne em nossa carne, doação total de si a nós, doação do todo de seu existir, sem reservas. Jesus despoja-se de Si na Eucaristia e se nos dá para sempre em perfeito alimento, para que o mundo tenha vida.
Quando recebemos Jesus na Eucaristia, recebemos o mandado profético: levanta-te e anda, porque o caminho é longo! A constituição de um mundo eucarístico, um mundo da ação de graças e não do desespero que vem das desilusões que são fomentadas nas murmurações da ausência de Deus, do egoísmo, da indiferença depende de nossa intimidade com o Senhor. Buscar a intimidade com o Senhor é desejar sempre ter o Pão Vivo, mas sobretudo, ser com o Pão Vivo no chão deste mundo. Seremos e nos sentiremos sempre atraídos pelo Pai, no amor do Cristo, não enquanto homens e mulheres do privilégio, mas enquanto pessoas convocadas a transformar a vida da desilusão para a vida da coragem e do amor fraterno deste Deus que se dá em alimento.
Pe. Jean Lúcio de Souza