O cap. 18 do Evangelho de Mateus retoma hoje, na Liturgia da Palavra, o tema do perdão. Como dito ontem, reforço o pensamento de que perdoar é um ato muito complicado. Mas por que é complicado? Porque conseguimos complicar a vida, a tornamos tão complexa e por vezes fazemos com que o relacionamento humano torne-se de baixa qualidade. Em determinados momentos parecemos ser os irracionais da história.
Mudar o comportamento humano é o primeiro passo para que a realidade do perdão se torne concreta entre nós.
Pensemos bem, quando Jesus nos fala que para entrarmos no Reino do Céu precisaríamos ter um coração semelhante ao coração de uma criança, ou convertido àquela realidade, Ele não estava vivendo momentos de devaneios poéticos aplicando sentenças bonitas para nosso deleite. Jesus sabe muito bem que o perdão é uma dimensão do regozijo de uma alma pueril que se contenta e alegra com bolinhas de sabão coloridas voando no ar, muito dedicas em brilhar. Bolinhas de sabão... etéreas, passageiras, frágeis e encantadoras, capazes de arrancar sorrisos em crianças. Mas elas estouram no ar e o que fica? Apenas a lembrança de seu voo encantador e suave.
É bem verdade que a lei humana dá, na atualidade, às crianças bons direitos e uma proteção significativa (pena que não usada de modo amplo), contudo, por causa de sua incapacidade para o exercício pleno de seus atos na vida civil devem ser acompanhadas e representadas por seus pais e/ou responsáveis nas tomadas de decisão em seu favor e reto benefício. Que isso significa? Que no universo sério e implacável dos adultos, crianças não sabem de nada e não podem decidir, por não possuírem capacidade, entretanto, as crianças possuem uma capacidade de viver que a vida adulta, “adultera”. E qual seria essa capacidade? A capacidade de serem livres, sinceras em seus corações e atos. Toda criança é intensa, elas têm urgência em viver, uma criança não perde tempo quanto à vida.
As crianças brincam, brincam tanto que se esquecem até do domesticável banho. Depois da brincadeira, as crianças têm outra pressa, que não é o banho, elas têm pressa é do biscoito com suco bem docinhos. Elas podem até ter pressa de um soneca revigorante para as próximas brincadeiras. E o banho menino? Ah o banho só é legal com os patinhos de borracha e o super-herói que se transformará em enredo de vitória na luta contras as gotas loucas do chuveiro maluco.
Crianças quando brincam, não têm tempo para parar nas brigas. Sim, elas até se estranham por causa da bola ou da boneca, mas minutos depois já estão brincando novamente, porque têm pressa de brincar e não de brigar. Briga é coisa de gente adulterada pela vida adulta...
Em que isso nos ajuda à reflexão de hoje? Pedro questiona Jesus sobre a matemática do perdão (crianças só ligam para matemática se for para aumentar doces e brincadeiras). Até sete (7) vezes devo perdoar num dia de confusões com meu irmão? Jesus sabe como são as crianças e como elas viajam nas bolinhas de sabão. Crianças não têm limites para imaginar um sonho lindo. Jesus tem um sonho lindo, da mesma maneira que as crianças têm, por isso Ele responde como uma criança responderia somando seus doces e brincadeiras. Não Pedro, até 70x7... Mas isso também é matemática, diria um adulto adulterado pela adultice! Pode ser, mas o que Jesus quer nos ensinar é que, assim como crianças têm pressa em brincar com bolinhas de sabão, tenhamos pressa em perdoar, mais rápido que se estouram as bolinhas de sabão. Para Ele os cristãos e cristãs não têm o direito de impor limites ao perdão, como não se impõe limites à livre imaginação de uma criança. Elas têm pressa de viver e não de odiar.
Jesus ensina que um bom Pai sempre oferece coisas boas a seus filhos e filhas e os ensina o caminho das coisas boas. Deus, que é nosso Pai, quer nos olhar como crianças que aprontam em suas travessuras humanas. Ele nos perdoa sempre. Ele nos ensina que perdoar é como brincar com bolinhas de sabão, ora, elas estão no ar, ora estouram e se desfazem e fica apenas a remota lembrança daquilo que voou e passou, estourou, não existe mais. Como uma dívida que foi perdoada, sem ser paga.
Se o Pai nos ensina por meio de Jesus que perdoar é reconhecer que há a dívida, mas que não se deseja carregar o peso da dívida conosco. Algumas dívidas jamais serão quitadas, seja por nós, seja pelos outros. São bolinhas de sabão que estouraram. Embora o copinho ainda tenha água e sabão para fazer as bolinhas, aquela que se criou, não existe mais. Mas há o copinho que pode fazer novas bolinhas brilhantes e etéreas. As crianças que aprendem com um bom Pai, sabem apenas das belezas das bolinhas e não das dívidas dos erros perdoados.
Irmãos e irmãs, sei bem o quanto é difícil perdoar, sei bem quanto é sufocante perceber que algo na história de nossas vidas nos feriu, mas também sei que não adianta amargar o passado. Ele se foi. Não posso carregar o passado para o meu presente, insistindo em me ferir. Se de um lado alguém me machucou, não serei eu que arrastarei essa dor comigo anos após anos. Não posso ser algoz de mim mesmo. Preciso deixar que a criança interior siga seu caminho. É preciso ser livre. O Pai nos libertou de uma enorme dívida, libertemos a nós mesmos de pequenas dívidas que nossos devedores assinaram com a promissória de seus atos.
A exemplo do Pai que se assenta conosco no parquinho da vida e nos diz: está tudo bem, em mim não dói mais o ferimento que você fez nas mãos, nos pés e no lado do meu primogênito, também devemos dizer, em mim não pode doer mais. Tudo está quitado... Prefiro a paz e as bolinhas de sabão!
Pe. Jean Lúcio de Souza