Paulo, escrevendo à Comunidade de Corinto, nos apresenta outro caminho para atingirmos a centralidade do mistério pascal de Cristo: a caridade fraterna. Havia ali cristãos seguros de si mesmos e que facilmente provocavam escândalos na comunidade, sobretudo entre os cristãos mais fracos. Ostentavam comer carnes sacrificadas aos ídolos, coisa que não sendo totalmente proibida, era muito inconveniente. Assim, na comunidade, contrapunham-se "os fortes" e "os fracos", semeando escândalo e ruína espiritual. A uns e outros, Paulo lembra duas verdades fundamentais: os ídolos são deuses falsos e mentirosos, “para nós, há um só Deus, o Pai, de quem vêm todos os seres e para quem nós existimos. E, ainda, para nós, existe um só Senhor Jesus Cristo, por meio do qual tudo existe e mediante o qual nós existimos” (v. 6). Então, comer carne oferecida aos deuses falsos, em princípio, não é um ato pecaminoso. Até porque eles não existem. Contudo, e aí vem a segunda verdade ligada ao mistério pascal de Cristo, “nem todos têm esse conhecimento... e sua consciência é fraca” (v. 7-10), pois veem, nesse gesto, um escândalo. Se é assim, diz Paulo, “se um alimento é ocasião de queda para meu irmão, nunca mais comerei carne, para não escandalizar meu irmão (v.13). Paulo nos ensina a prudência, a delicadeza em não ferir a consciência das pessoas, não as escandalizando, mesmo que em termos da doutrina e da disciplina, parecesse normal ou nos julgássemos cobertos de razão. Em causa está o respeito à pessoa e o compromisso de ser sinal que aponta para Jesus e seu Reino de vida e verdade.
O Evangelho proposto hoje é uma verdadeira ressonância das bem-aventuranças, nos ajudando a descobrir o seu fundamento. “Amai os vossos inimigos” (vv. 27.35). Jesus, como mestre e guia, se distancia de todos os rabis (mestres) do seu tempo: não só contrapõe o amor ao ódio, mas exige que o amor dos seus discípulos se concentre exatamente sobre aqueles que os odeiam. Jamais um mestre usara propor um ideal de vida tão exigente e sublime. Não se trata de um amor abstrato, mas de um amor que se concretiza, dia a dia, em inúmeros pequenos gestos, que são a prova da sua autenticidade. Seria estranho, sob o ponto de vista de Jesus, amar só aqueles que nos amam: não teríamos qualquer mérito e, sobretudo, o nosso amor não seria sinal da nossa exclusiva e inequívoca pertença a Ele: “Os pecadores também amam aqueles que os amam” (v. 32). O ensinamento de Jesus termina fomentando nos seus discípulos, e assim a nós, a "misericórdia": “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (v. 36). Segundo a lógica da espiritualidade evangélica, não há perfeição senão a do amor fraterno que revela a nossa identidade filial em relação a Deus. Não há outra meta a perseguir, senão a de um amor que sabe perdoar porque experimentou o perdão. Não há outro mandamento a observar, senão o da imitação de Deus, que é amor misericordioso, por meio de gestos de bondade e de misericórdia. Precisamos testemunhar e anunciar mais o primado do amor.
Sou de escandalizar o meu próximo? Faço o que está a meu alcance para iluminar o caminho de meus irmãos e irmãs, apontando com a minha vida para Jesus e o Reino de Deus? Tenho, à luz do Evangelho e no seguimento de Jesus, procurado vencer inimizades, ódios, desejo de vingança... assumindo a radicalidade do amor aos inimigos? Como tenho me comportado? Deixo-me transformar pela Palavra de Deus? Sou praticante da caridade nas relações com as pessoas?
Senhor Jesus, para ti, o amor não foi conversa fiada, nem um sonho vago e abstrato; não foi simples qualidade ou ornamento para satisfazer o próprio ego ou para Ti orgulhares em ser melhor; também não foi um sentimento mais ou menos romântico. Pelo contrário, para Ti, o amor é um sentimento dinâmico e indefinível, como a vida, a gerar, permanentemente, algo de novo, a se estender a todos, a partir dos pequenos e também dos inimigos, algo que está na base de toda a relação humana e com o planeta e também convosco. Viver é amar e é esse o maior dom que nos deixaste! Obrigado, Senhor! Amém.
Pe. Marcelo Moreira Santiago