Irmãos e irmãs,
Hoje a Igreja celebra a Solenidade de Jesus Cristo Rei. Uma data importante para toda comunidade onde encontramos a oportunidade de exaltar Jesus, nosso Rei e Senhor, reconhecendo sua realeza de modo absoluto na experiência de nossa fé, que é gestada na beleza do Santo Evangelho.
Ainda, na Semana Santa, no Domingo de Ramos (Domingo da Paixão do Senhor) onde toda comunidade, lembrando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, saía em procissão empunhando ramos nas mãos, repetindo o gesto da comunidade de Israel, proclamava Jesus Rei, encantava-se com a presença do Senhor-Messias, o libertador do povo, aquele Rei que estava no meio de seu povo, conhecia suas dores, Jesus, Rei-Pastor, cujo trono era o lombo de um jumentinho, contudo, no mesmo dia em que se proclamava Jesus Rei, também contemplávamos, que este mesmo povo o retira daquele jumentinho e o assenta noutro trono, coroado de espinhos, Jesus é condenado e preso à cruz, tendo um letreiro sobre sua cabeça com o motivo de sua condenação: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus...
O movimento paradoxal deste reinado está posto no diálogo de Jesus com Pilatos. Aquele diálogo possui um movimento de entendimentos contrários. De um lado Pilatos vai inquirir Jesus sobre sua realeza, que Jesus não a negará. Mas o que há de paradoxo?
Pilatos era funcionário do poder Romano que tiranizava o povo. O caminho de colonização e de poderio que atingia toda a estrutura do povo se manifesta como uma prisão e uma devoção mortal. A prisão causada pela tirania do poder romano era um novo Egito. Não havia um faraó que pesava sua mão sobre a nação, havia um novo suserano César. Tudo convergia a ele de tal modo que de imposto a pessoas tudo pertencia aquele rei cujas mãos pesavam sobre a comunidade. Mas havia igualmente uma “devoção” politizada, isto é, tudo se dava em razão daquele poder político, todos se curvavam a César.
Lembremos alguns fatos interessantes: É lícito ou não pagar tributos a César, deve-se ou não pagar impostos a ele. Jesus toma a moeda do imposto e pergunta sobre de quem é a imagem que está gravada na moeda fria, metal cunhado por mãos humanas. A face era de César, portanto a moeda era dele, então, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Mas o que então seria de Deus? Fomos cunhados à imagem e semelhança do Altíssimo, fomos marcados com a imagem do Senhor, portanto nós pertencemos a Deus e a esse Deus-Conosco que está no meio de nós. A realeza de Deus em Jesus Cristo é realizada em nós. O tributo ao Altíssimo Deus somos nós e nossos corações. Moeda é de César, nós somos o povo de Deus, nação cujo sacerdócio é régio a partir de Jesus, povo de reis, povo do Senhor, é assim que cantamos, é assim que somos.
Diante da proposta de condenação de Jesus pelas autoridades judaicas exclamação/acusação mais potente era de que Jesus se declarara rei e quem assim o faz é inimigo de César. Se Ele é rei, Ele pode “atrapalhar” os planos políticos de César e toda sua tirania. Tal acusação incomoda muito porque eleva um e esboça a queda de outro. Pilatos, devoto de César, não poderia compreender como um jovem Galileu, carpinteiro, entregue à condenação de morte, poderia ser uma pedra de tropeço para o grande César, imperador do mundo baixo. Mas, não se poderia correr riscos. Quem era aquele jovem? O que se encontrava escondido naquele semblante real?
O diálogo que João nos apresenta, não leva Jesus a César, mas apenas o coloca diante de um funcionário do governo de César. O funcionário conversa com o Rei.
Na mente de Pilatos a ideia de reis e rainhas era completamente desvirtuada em relação àquilo que significava ser rei para Jesus. Pilatos entende realeza como poder, riqueza, domínio político, conquistas, escravidão, impostos e subjugação dos povos conquistados que deveriam servir ao suserano.
Jesus sabe que sua realeza é potencialmente contrária à realeza mundana – eu não vim para ser servido, mas para servir – a realeza de Jesus é a realeza do pastor que cuida e resgata, por isso, sua realeza não é “deste mundo”. O mundo não entendera realeza como um servir, resgatar, cuidar e amar. A realeza de Jesus é um dar-se sempre.
Pilatos vê em Jesus uma “contradição”, pois, que lugar seria esse onde caberia um reinado com características tão absurdas? Jesus fala sobre o desapego às riquezas, Jesus fala sobre o servir, Jesus fala que estar no poder e ser o primeiro é escolher ser o último, ser quem serve a todos, Jesus fala sobre o domínio do amor que se revela na doação, Jesus fala que conquistar é abrir-se ao perdão, é acolher o pequenino, Jesus fala que veio libertar os cativos, curar os cegos e aleijados, Jesus fala que o imposto do reino não são as moedas mas “tive fome e me destes de comer, com sede e me destes de beber, doente e na prisão e foste me visitar”...
Tu és rei? Sim Jesus é o rei que reina na verdade de amar e deixar-se ser amado. Por isso o seu Reino não é deste mundo, está além da compreensão deste mundo, assim, confunde-se Pilatos e os poderosos deste mundo. Os guardas da verdade, proclamadores do Evangelho, servidores do Reino e seus edificadores, não deixariam que Jesus fosse entregue aos arautos da mentira e da tirania.
Neste sentido, caros irmãos e irmãs, celebrar a Solenidade de Cristo Rei é celebrar essa visão tão maravilhosa onde o próprio Cristo é revestido de glória, poder e majestade por ter servido, amado e acolhido a tantos desprezados e perdidos no mundo. O seu Reino de amor não tem fim, porque o amor luta com as armas da misericórdia para resgatar o mundo e não desistirá enquanto a tirania do ódio e da fome imperar no chão deste mundo.
Assim, nosso Rei é processado, julgado e condenado pelo “anti-amor” que reina como inimigo de tudo aquilo que é bondade e verdade. Sua defesa é o sumo bem que praticou e nós seremos suas testemunhas vivas, isto é, dando testemunho do amor de Deus seremos as defesas do Rei e Senhor Jesus Cristo e todos os olhos o verão, incluindo os que feriram o amor-crucificado.
Nesta expressão de amor e cuidado, a Igreja Católica, no dia de Cristo Rei encerra a jornada mundial do pobre, instituída em feliz inspiração, no final do Ano da Misericórdia em 2016. Neste momento o Santo Padre o Papa Francisco nos chama, a partir da criação do dia Mundial dos Pobres, de modo mais intenso a refletir sobre esta difícil e complicada dimensão da vida humana, a pobreza.
Em sua mensagem para a VIII jornada o Papa Francisco nos ensina e nos chama ao cuidado:
No seu caminho, descobre uma das realidades fundamentais da revelação, ou seja, o fato de os pobres terem um lugar privilegiado no coração de Deus, a tal ponto que, perante o seu sofrimento, Deus se “impacienta” enquanto não lhes faz justiça: «A oração do humilde penetrará as nuvens, e não se consolará, enquanto ela não chegar até Deus. Ele não se afastará, enquanto o Altíssimo não olhar, não fizer justiça aos justos e restabelecer a equidade. O Senhor não tardará nem terá paciência com os opressores» (Sir 35, 17-19). Deus, porque é um Pai atento e carinhoso para com todos, conhece os sofrimentos dos seus filhos. Como Pai, preocupa-se com aqueles que mais precisam dele: os pobres, os marginalizados, os que sofrem, os esquecidos... Ninguém está excluído do seu coração, uma vez que, diante d’Ele, todos somos pobres e necessitados. Somos todos mendigos, pois sem Deus não seríamos nada. Nem sequer teríamos vida se Deus não no-la tivesse dado. E, no entanto, quantas vezes vivemos como se fôssemos os donos da vida ou como se tivéssemos de a conquistar! A mentalidade mundana pede que sejamos alguém, que nos tornemos famosos independentemente de tudo e de todos, quebrando as regras sociais para alcançar a riqueza.
Que triste ilusão! A felicidade não se adquire espezinhando os direitos e a dignidade dos outros.
A violência causada pelas guerras mostra claramente quanta arrogância move aqueles que se consideram poderosos aos olhos dos homens, enquanto aos olhos de Deus são miseráveis. Quantos novos pobres produz esta má política das armas, quantas vítimas inocentes! Contudo, não podemos recuar. Os discípulos do Senhor sabem que cada um destes “pequeninos” traz gravado em si o rosto do Filho de Deus, e que a nossa solidariedade e o sinal da caridade cristã devem chegar até eles. «Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, para poderem integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo» (Exort. ap. Evangeliigaudium, 187).
No dia de Cristo Rei a abertura do coração de cada um de nós deve se dar no mesmo cuidado do Deus que é Rei e Pastor. É nossa missão também ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo. Ali nosso reinado se insere no serviço real com Jesus que se inclina como Deus-conosco que se esvazia para se encontrar com a humanidade ferida e sarando suas mazelas. Sejamos atentos a todos os clamores de sofrimento e dor de todos os que sofrem à margem da pobreza, sejamos úteis em seu cuidado e na erradicação da miséria no mundo.
Deus abençoe nossas vidas.
Coragem!
Pe. Jean Lúcio de Souza