O Evangelho deste dia possui um conjunto interessante de informações que revelam sobre a missão de Jesus e como essa missão é comunicada aos apóstolos. Acontece uma reviravolta no modo como ela deve acontecer.
Jesus, ao ser rejeitado na sinagoga, apresenta um caminho novo aos discípulos. Qual seria esse novo caminho? A missão passa a ser mais familiar, sai do ambiente das sinagogas e segue para as casas, para as famílias, praças e povoados. A missão é descentralizada, não há motivo para manter os discípulos em uma estrutura que rejeita Jesus, uma estrutura caduca e defasada que não consegue perceber a boa nova do Evangelho.
Neste sentido, Jesus chama os discípulos e os envia como portadores do Evangelho, homens renovados por sentirem-se participantes da mesma missão de Jesus. Sim, o Senhor partilha com a comunidade dos anunciadores o seu poder e enfrentamento dos espíritos impuros por onde passem.
Lembrando que a ação dos discípulos deve ser uma ação despojada de tudo que venha a concorrer com o Evangelho e com a forma de seu anúncio, assim, o Senhor ordena-lhes outro poder, o poder de serem livres diante das coisas do “mundo”. Sandálias, uma veste, nem sacola de dinheiro, um despojamento total frente à missão. Liberdade ao caminhar significa estar livre das vaidades e da busca de riquezas, lembrando sempre que Deus provê o necessário aos que são seus – as aves do céu não plantam e nem ceifam – ora essa deve ser a confiança do discípulo em sua missão.
Os espíritos impuros. Meu Deus, eles novamente no texto de Marcos! Viver em paz com Deus e com o mundo, como diria Chico César, cantor e poeta. Nada mais impuro que tudo aquilo que nos tira a paz na convivência com as pessoas no chão deste mundo e portanto, nos tira a paz frente às nossas condutas apresentadas a Deus como oferta agradável de um missionário-discípulo.
Sim irmãos e irmãs, os espíritos impuros são as condutas e os resultados que nos afastam dos irmãos e de Deus. Como nos ensina o teólogo José Bortolini, acerca dos textos de Marcos, receber o poder sobre os espíritos impuros é receber aquilo que o próprio Cristo possui, ou seja, a autoridade para libertar as pessoas de tudo aquilo que as aliena, oprime e despersonaliza.
Verdadeiramente Jesus lidou com espíritos impuros todas as vezes que o limite da condição humana foi rompido pela busca de poder político e religioso. Religioso? Sim, ou seremos tão ignorantes e falsamente inocentes de nos esquecer que ao longo do caminho os discípulos discutiam quem seria o maior entre eles? E Jesus lhes mostra que o maior é quem se faz menor, quem serve aos pequeninos e não quem brilha ou se destaca pelo poder que não vem de Deus.
Claro que Jesus levantou sua voz contra as maldades humanas no campo da política, afinal todas as querelas em que se envolviam os pobres perdidos e marginalizados Jesus apontou para eles como lugar privilegiado de nossa missão, que é resgatar promovendo a vida digna.
Jesus foi declarado príncipe da paz e não do ódio. Jesus ensinou o caminho do amor e não da divisão. Ódio, divisões, guerras não “espíritos impuros”. A fome e a miséria são espíritos impuros. Não esperem se encontrar com os espíritos impuros desenhados pela cultura colonial. Os espíritos impuros são as formas de alienação social, política e religiosa que adentram na história da vida humana paralisando nossa conduta missionária de discípulos que deve se levantar contra tudo que concorre com o amor de Deus. Esses são os espíritos impuros que devemos enfrentar e expulsar para curar a vida, dom de Deus.
Quero apresentar um pequeno pensamento de Umberto Eco, que mudei um pouco seu teor original:
“O amor é extremamente seletivo. Se eu te amo, quero que você me ame de volta, então ele restringe (...). Nas relações humanas o ódio é extremamente generoso! É caloroso. Ele une todas as pessoas contra as outras pessoas. É por isso que é usado por políticos tão frequentemente, eles não clamam por amor, eles clamam por ódio. Eles dizem que se deve morrer lutando contra os inimigos. Os governos não dizem que devemos amar-nos uns aos outros. A única forma de escapar da tentação do ódio é o amor!”.
De fato, o amor restringe. Ele não permite que o espírito imundo do ódio chegue e destrua a vida humana. Por isso, acredito piamente nisto, que não é possível amar isoladamente, o amor provoca, exige o contato humano, ele provoca o olhar, saber olhar, ver o outro com o olhar restrito do amor, que não permite torturas, ditaduras, exclusões sociais, não permite o julgar do outro, não permite o cancelamento da multiplicidade humana cuja diversidade se manifesta em sua cultura vasta nos modos variados de ser, não permite preconceitos e a falta de misericórdia.
Na nova missão, que sai dos círculos viciosos da sinagoga e adentra sociedade, as casas, as praças, os povoados e novas cidades, enfim, a vida total é a missão do encontro no despojamento de si em favor do amor que constrói pontes e não as destrói.
O poder dado aos discípulos é para transformar a vida humana pelo amor, para curá-la amando e servindo. Nossos olhos de discípulos devem ser olhos de misericórdia, nosso maior poder é o amor, que expulsa os espíritos impuros do mundo...
Coragem!
Deus é bom e Ele cuida de nós!
Pe. Jean Lúcio de Souza