Na primeira leitura, o autor sagrado, inspirando-se na tradição bíblica, que remonta aos dois primeiros capítulos do Gênesis, apresenta o ser humano como vértice da Criação. Mas há uma infinita diferença entre Deus e o ser humano, de tal maneira que não pode haver qualquer tipo de confusão que leve o ser humano a cair na tentação da autonomia ou da autossuficiência perante Deus. Deus é o Criador e o ser humano é criatura. É Deus que confia ao homem e à mulher o “domínio” da Criação. “Ele os fez à sua própria imagem” (v. 3): Essa é a afirmação mais singular e mais original da antropologia bíblica. Os seres humanos trazem impresso algo de divino, receberam o dom da consciência (v. 6), são chamados a reagir a esses dons com o louvor (v. 8). A Criação revela a grandeza e a magnificência de Deus, que o ser humano, dotado de inteligência, admira e celebra com amor.
No Evangelho, os discípulos pretendiam afastar as crianças, não porque incomodavam Jesus, mas porque, como as mulheres, representavam pouco ou mesmo nada. Segundo a mentalidade comum, que os discípulos também partilhavam, o Reino não era para crianças, mas para adultos, capazes de opções conscientes, de obras correspondentes e de adquirir méritos. Para Jesus, não: o Reino é um dom de Deus, que é preciso receber com disponibilidade. As crianças são as pessoas mais disponíveis para acolher dons, porque são pequenos e pobres, sem seguranças ou privilégios. Assim devem ser os discípulos de Cristo (v. 15), porque o Reino não é uma conquista pessoal, mas dom gratuito de Deus que se deve esperar e acolher com simplicidade e confiança. Ao abraçar as crianças, Jesus elimina toda a distância entre Ele e as crianças... O Reino de Deus acolhe a todos a partir dos pequenos.
As leituras celebram o valor do ser humano. Vêm, pois, ao encontro da mentalidade que se impôs na sociedade moderna, que proclama os direitos humanos, realça a dignidade do ser humano e defende a sua liberdade. Infelizmente, na prática, nem sempre assim acontece, ainda são muitos os atropelos a esses direitos. Na sociedade em que vivemos, há pessoas oprimidas e exploradas que vivem em condições incompatíveis com a dignidade humana. Devemos lutar, à luz da fé e conforme as nossas possibilidades, a fim de que a justiça se realize, o pecado social seja eliminado e se concretize, na história, o “querer” de Deus.
Como reajo diante da obra da criação, com destruição ou cuidado? Entendo que no “Projeto de Deus”, faço parte da criação e que recebi d’Ele uma missão especial? Dou atenção às crianças, aos pequenos ou minha atitude tem sido de prepotência, arrogância, de me julgar superior, melhor que os outros? Tenho colocado os dons que Deus me deu a serviço?
Obrigado, meu Deus, por lembrar de mim, por me teres feito à tua imagem e semelhança, me teres coroado de glória e de honra, me teres dado poder sobre as obras das tuas mãos. O teu nome é grande. É santo e glorioso. Bendito sejas, agora e para sempre! Que, iluminado pelo teu Espírito, eu saiba reconhecer a minha dignidade e a dos meus semelhantes, respeitar os outros e toda a obra da criação. Que, animado pela caridade que infundiste no meu coração, eu saiba amar todos os meus irmãos e irmãs, trabalhando pelo reconhecimento dos seus direitos, esforçando-me generosamente pela sua promoção humana e espiritual e por um mundo melhor. Amém.
Pe. Marcelo Moreira Santiago