Lucas, no início do texto de seu Evangelho demonstra de que maneira Deus manifesta o seu amor e seu carinho para com todo povo. É um amor grande, extremo, sem meias medidas, sincero e verdadeiro. Deus vai se esvaziando aos poucos e neste movimento derrama-se sobre todos nós construindo um caminho de acolhimento de nossa realidade em si mesmo, a tal ponto, que seu gesto de amor se transforma em vida no seio de Maria. Percebo aí, claro, o muito amar de Deus, aos que não poderiam jamais pagar suas dívidas oriundas dos atos que nos afastam do Senhor. O nascimento de Jesus em nossa carne é para os “Teófilos” os amigos de Deus um grande dom.
Mas os amigos e amigas são rebeldes, complicados e em nossos corações há muita confusão. Uma dessas confusões chama-se julgamento. Nossa pressa em estabelecer julgamentos sobre a vida das pessoas nos torna cegos à dinâmica do acolhimento, gesto este, que vai muito além do que nossas parcas reflexões podem se propor. Acolher é colher para dentro de si. Quando plantamos alguma coisa, uma lavoura, uma horta, uma árvore frutífera, colhemos para fora, isto é, colhemos os frutos fora de nós, frutos que servem à sobrevivência do corpo, para nossa alimentação. Acolher é um colher para dentro porque se refere ao que alimenta do lado de dentro, o que alimenta nossos corações, nossas vidas, faz com que nossos olhares se permitam remodelar à graça da misericórdia e da compaixão.
Vejamos a cena de hoje: Jesus é o convidado de honra, tudo gira em torno Dele. Era costume em Israel que um convidado, sobretudo se considerado importante, recebesse um “serviço” específico com alguns ritos como o lavar dos pés, o beijo e a unção. Esses atos, ligados um ao outro, significavam desde o acolhimento simbolizado pela lavagem dos pés cansados pela provável viagem, presumindo que o convidado partira de lugares longínquos, ao beijo de saudação da paz/shalom e unção com óleo perfumado em “sinal de veneração e respeito” (Fabris; Maggioni, 2006). Todos esses atos foram dispensados e falsamente ignorados pelo dono da casa, o fariseu Simão, que havia convidado Jesus.
Contudo, em um dado momento aparece uma mulher, não se consegue compreender de que forma ela consegue entrar na casa do fariseu, que é conhecida como pecadora, portanto, uma persona non grata. O acesso a ela naquela casa, de certo, seria negado. Então, de que forma ela havia entrado, teria despistado aqueles que tomavam conta da entrada? As portas estariam abertas a todos, mas nunca imaginariam que aquela mulher se “atreveria” adentrar na casa daquele que era considerado justo fariseu? Pouco importa isso agora, o que importa é que a cena mudou e os lugares se inverteram.
O fariseu acolhe Jesus para fora, a mulher acolhe Jesus para dentro. Jesus entra na casa do fariseu. Jesus entra no coração/casa da mulher. Essa inversão nos leva a crer e entender que agora a anfitriã verdadeira é a pecadora é ela quem desempenha o papel de dona da casa, com atos extremados, extravagantes, que superariam o lugar o fariseu: os pés lavados pelas lágrimas de quem se derrama aos pés de quem pode curar o cansaço da viagem, beijo de quem reconhece de onde emana sua paz e a unção do Rei e Senhor que acolhe sua vida nos prados eternos. Todos os gestos da mulher expressam um grande amor, de outro lado, a ausência daqueles gestos, por parte do fariseu, revelam seu descaso com relação a Jesus seu convidado de honra, revelam o pouco amar de modo duplo, por não acolher e julgar Jesus e por incriminar, julgar e condenar a mulher.
A parábola contada por Jesus representa justamente esse lugar porque o muito amar é o símbolo do perdão pleno, são dois movimentos convergentes do Amado e de quem se deixou amar. Deus em Jesus Cristo vem ao nosso encontro e por nos amar demais, amando-nos ao extremo doa-se a Si mesmo. É o amor generoso e leal de Jesus, que perdoa e perdoando, salva. O perdão é a plena comunhão de vida que é a paz em Deus (Fabris; Maggioni, 2006).
Caros irmãos e irmãs, evitemos do fariseu os juízos que não nos cabe emitir. Aprendamos desta dádiva do Evangelho de Lucas que nos impulsiona à vida. Aprendamos com a mulher a muito amar, aprendamos a nos deixar amar por Jesus, para que sendo amados e perdoados, sigamos o ofício de a todos amar...
Pe. Jean Lúcio de Souza