Por que perdoar é um dos atos mais complicados da vida humana?
Nós crescemos em um meio que, infelizmente, nos ensina justamente o contrário do perdão, ou seja, é sempre possível e necessário reagir imediatamente a qualquer ação negativa contra uma pessoa em qualquer fase etária no mesmo nível, com paridade de armas e proporção ao ataque sofrido.
Assim aprendemos desde criança: se baterem em você na escola e se você não bater de volta, quando chegar em casa você vai apanhar aqui também. Lamentável!
Na literatura infantil vemos personagens que até gostamos com seus instrumentos de guerra de pelúcia, sempre avançando contra planos infalíveis de vingança. Programas infantis que, de beliscões em beliscões, de bofetadas em bofetadas, nos distraem aos risos e às gargalhadas, porque, de modo geral, nos apetece ver esse resultado final aguerrido que não sabe perdoar.
Na televisão: novelas, programas diversos e filmes assistimos, não sem menos gozo n’alma cenas e episódios de vingança e ódio deflagrados contra “a” ou “b”. Destruições em massa, atos que subjugam pessoas, não nos assustam, ao contrário geram o impactante desejo de vingança sob a pele pálida de uma pseudo justiça.
Quando ligamos a TV para assistir um jornal por trás de tantas más notícias com resultados finais tão dolorosos percebemos os “acertos de conta”, o “toma lá dá cá” da vida social comum entre as pessoas. Assassinatos, roubos, delações premiadas, guerras de todos os tipos e maneiras. Tudo e todos alojados no chalé frio e cinza da vingança.
Somos o arremedo reflexivo da história humana que ao longo da linha cronológica apresentou episódios curtos ou longos de uma querela inútil entre cativos e cativados, colonizados e colonizadores, vencedores e perdedores, tudo isso sob o pálio nefando do mérito da conquista e da vingança, da indiferença e do preconceito, da fragilidade e do engodo dos falsos fortes.
Pedro não foge à regra.
No seu tempo, a Lei de Talião, era amparo punitivo e estava presente no inconsciente social e nas instituições religiosas e estatais. À pergunta: Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?, poderíamos perceber aí uma escusa de consciência que buscava, provavelmente, um limite na quantidade e no tempo para romper com o plano da Misericórdia contra outrem.
Jesus sabendo que as pessoas de seu tempo viviam sob essa perspectiva e tendo consciência que ao longo da história a conversa e os atos pouco mudariam responde à invectiva limitadora petrina com sua máxima de infinito: perdoar sempre, a qualquer tempo, qualquer pessoa, não importando o mal que tenha feito, perdoar é a máxima ética e temporal.
O problema está no vício milenar que possuímos, somos bons para guerra, terríveis e lentos para o perdão.
O perdão nasce, brota da misericórdia, se não aprendermos dela iremos fomentar sempre em nosso mundo e em nossa história a repetição nefanda dos atos anti-misericórdia e iremos sufocar nossos irmãos e irmãs que, por algum motivo tenham nos ofendido, ou seremos sufocados por outros por causa de nossas ofensas a eles.
O Papa Francisco ao falar sobre a misericórdia que nos alcança expressa poeticamente como ela se dá:
“Precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação. Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado”.
Portanto, irmãos e irmãs, não se trata da potência do cálculo matemático que nos submete a uma meta numérica, mas uma disposição do coração em abrir mão do que nos separa e divide para abraçarmos o que nos une a Deus e aos irmãos construindo uma nova civilização e reescrevendo nossa história com a misericórdia e o perdão!
Pe. Jean Lúcio de Souza