Acredito que seja preciso parar um pouco mais diante deste texto do Evangelho de João, contemplá-lo de modo diferente e deixar que a vida ali contida possa nos tomar por completo a partir de uma reflexão sincera sobre o desejo de sermos curados.
Pretendo focar nosso pensamento hoje, não especificamente naquelas curas físicas desejadas por tantos de nós, mas em uma cura especial, que devemos buscar com mais intensidade e coragem, isto é, a cura de nossos corações.
Pensemos juntos, se hoje, agora, fosse o dia desse encontro maravilhoso com o Cristo e Ele nos dissesse: queres ficar curado? De fato, e sem reservas, diríamos sobre o intenso desejo de cura daquelas nossas mazelas físicas, contudo, se fôssemos observar com sinceridade nossas vidas pessoais, a vida da comunidade eclesial e a vida da sociedade civil, qual cura, a verdadeira cura, desejaríamos?
Quando Jesus dá a ordem ao enfermo, a ordem de cura passa por três estágios que têm início a partir do saber ouvir Jesus: levantar, pegar a cama e andar.
Quando estamos, por vezes, imersos em nossos problemas e querelas diversas a tendência é julgarmos estar de pé frente a esses momentos, quando, não raras as vezes, estamos sentados olhando a vida passar ou “empurrando a vida com a barriga” para vermos onde tudo irá nos levar.
Aquele que deseja a cura, ao ouvir Jesus dizendo levanta, deve entender com esse ordenamento, que o Senhor está conosco e nos coloca de pé, endireita nossas forças e harmoniza nossas estruturas devolvendo-nos a confiança que precisa ser restaurada em nós mesmos de que somos capazes de ficarmos de pé frente aos eventos de fragilidade de nossas vidas.
Levantar é um ato de coragem e a coragem é um dom. De pé a visão se alonga para além de nossos pés e da falsa comiseração na qual nos colocamos vez ou outra, com a famigerada expressão: “não consigo!”
Levantar-se é ter consciência que as mãos de Deus, que está no meio de nós, nos tocam e nos colocam de pé, para termos a graça de contemplar o outro ponto de vista de nossas curas que precisam de atenção.
Interessante pensar, se o homem estava curado, porque deveria carregar sua cama? Por que ainda sustentar ao seu lado aquele que seria o símbolo de 38 anos de “derrota”, de medo, de incapacidade de caminhar livremente?
É preciso entender que nesta vida, por mais que sejamos curados, somos um amontoado de histórias e somos um compêndio de vidas em uma vida apenas. O que significa isso?
Quando vivemos construímos nossa história e participamos da história de outras tantas pessoas. Cada um é tocado e toca. Edificamos e desconstruímos, mas para sermos refeitos na fé, é preciso amar a história que sou, respeitá-la e compreender que tudo isso é bom, mesmo que precise de cura. Não posso esquecer de onde vim, das lutas estabelecidas, dos limites superados para que a arrogância não nos tome, nos distanciando do compromisso de entender que os que estão ao meu lado também carregam a cama de suas dores históricas e que também desejam superá-las.
Somos um compêndio de vidas em uma vida. Desde que nascemos no chão deste mundo construímos nossas vidas em uma única vida. Quantas vidas vividas em um ano. Em um mês. Em um dia. Em uma hora. Em um minuto.
Rubem Alves gostava de dizer, algo mais ou menos parecido com isso, que quando alguém nos perguntasse “quem é você?”, deveríamos responder “nós somos esses eus amontoados numa só história de vida”. Portanto, carregamos essas vidas em nossa vida, esses “eus” de uma maturação de um único eu, que cai e levanta com a ajuda do dom de Deus. Essa vida (minha e sua) precisa ser respeitada e também contemplada, carregada ao lado, não como um fardo, mas como expressão de que somos assim e que devemos nos amar como somos, devemos amar e respeitar nossas histórias, se não fizermos isso não conseguiremos partir para a terceira ordem: anda!
Andar...
Não é somente enquanto crianças que sofremos o endireitamento físico de nossas frágeis perninhas que sustentarão o peso do corpo. Também o endireitar do intelecto para compreender que para caminhar exige-se um passo depois do outro, por vezes lento, por vezes mais rápido e que cada passo dado nos levará a um destino e que às vezes iremos cair...
Sofremos também quando devemos reaprender a andar. Sofremos quando devemos ressignificar nossas vidas e nossas histórias para um passo a mais, um passo diferente, um caminhar mais robusto rumo a um horizonte bom e desejável, uma mudança na história a partir de nosso encontro com Jesus que nos diz: queres ficar curado?
À nossa resposta positiva Ele dirá: levante desse emaranhado de confusões, contempla sua vida e reconcilia-te com ela e anda, segue para frente, junte tudo que é consigo e vai, deixe apenas para trás a paralisia, o medo, a covardia, a incredulidade em Mim e em ti e segue seu caminho...
Portanto, levantemos de nossas cinzas, contemplemos nossas vidas e com ela sigamos reconciliados, transformados. Andemos renovados na fé.
Pe. Jean Lúcio de Souza.