O trecho do livro da Sabedoria que encontramos hoje na liturgia da Palavra traz, para nossa reflexão, aquele paralelo que muitas vezes encontramos nas Sagradas Escrituras: o justo que é perseguido pelo injusto, ou seja, aquele jogo nefasto entre a vida e morte.
Essa perseguição nasce de uma crise que se revela a partir dos motivos que levam os injustos a perseguirem o justo, deveras os motivos são assustadores. E quais seriam esses motivos? Eles perseguem o justo porque não suportam que ele esteja cumprindo a vontade de Deus Pai, portanto, a partir de sua conduta revela-se como o amado Filho, onde o Pai coloca todo seu bem querer.
O olhar do justo é profundo, os injustos não suportam seu jeito de ser e de viver, não suportam seus caminhos de justiça e misericórdia e chegam a declarar que ele se tornou uma censura aos pensamentos dos maus e só o vê-lo é insuportável, a vida do justo é muito diferente da dos outros, e seus caminhos são imutáveis.
O paralelo que existe entre tais condutas é transportado para o Evangelho, ou seja, no texto de João há um envolvimento dual que demonstra todo enredo do livro da sabedoria, a vida e a morte, luz e trevas estão presentes.
A crise é transposta para aquela cena em que o desejo é claro e manifesto, queriam prender Jesus, queriam matar Jesus e se pudessem fazer tudo isso rapidamente, com certeza fariam, mas a hora do sacrifício do cordeiro ainda não havia chegado. Ele mostra que as obras daqueles que são injustos e não queriam crer na Palavra libertadora eram más. Embora o versículo 7 deste capítulo tenha sido omitido no texto proclamado, ele é claro – o mundo não vos pode odiar, mas odeia-me, porque dou testemunho de que suas obras são más – a crise ganha mais elasticidade.
A festa das Tendas, local expressivo do paralelo acima apontado, era conhecida entre os judeus como o espetáculo de água e luz, com a presença do Cristo ganha um sentido teológico muito bonito e que esteve presente em nossas liturgias quaresmais de modo recorrente. Jesus fonte de água viva no encontro com a Samaritana e Jesus presente no mundo como Luz para o mundo.
Ele dirige sua Palavra ao povo, sacia e ilumina, mas a crise permanece entre os que recebem essa Luz e aqueles que não a recebem e é demonstrada no versículo 12b – uns diziam: Ele é bom. Outros, porém, diziam: não, Ele engana o povo.
Outro paralelo complexo presente no texto de hoje é o que se manifesta entre conhecer e não conhecer. Os injustos dizem conhecer Jesus, conhecer sua origem – o filho de José carpinteiro – mas a ironia de Jesus ao expressar que o conhecem é intrigante, porque a origem de Jesus é da vontade do Pai e se não conhecem o Pai, não conhecem o Filho, possuidor da verdade, portador da Palavra e cumpridor da vontade do Pai. Eles negam a Jesus, negando-o, negam a Verdade.
Como vimos acima, todo esse paralelo, toda crise manifesta na liturgia da Palavra neste dia é extremamente atual. Está presente, também em nossos dias, aquela querela existencial, o jogo entre luz e trevas, entre saciados e não saciados, entre conhecer e não conhecer, entre a vida e a morte. Quais as escolhas que vamos fazer? De que lado estamos? Conhecemos mesmo Jesus, ou ainda não experimentamos esse conhecimento? De que lado estão nesta dualidade o mundo, nossas comunidades eclesiais, nossas escolas, os ambientes de trabalho, nossas famílias?
Ainda vivemos aquela crise posta no livro da Sabedoria e que ganhou elasticidade no texto de João? Será que ainda dizemos para armarmos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda porque Ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões de nossa fé e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina? Isto pode ser possível!
Não temos cooperado enquanto sociedade para que o Cristo Jesus possa ser nossa referência de fé e, portanto, ética. Ainda vemos nossa sociedade sufocando os justos e dando atenção e exaltando os pérfidos. Lamentavelmente criamos expectativas capitais e não humanas. Procrastinamos a criação da sociedade do amor e do bem comum. Pessoas ainda são massacradas, esquecidas, vilipendiadas e subjugadas...
De que lado estamos, verdadeiramente?
Pe. Jean Lúcio de Souza