Em nosso período de estudos no Seminário de Mariana, num desses momentos de aprofundamento da fé sobre a Santíssima Trindade, a partir do universo acadêmico, tive contato com um grande Teólogo Leonardo Boff que falava sobre o sentido da palavra mistério e, àquela época, me encantei com sua definição didática, prática e poética.
Segundo Leonardo Boff, “Mistério” não seria algo que nos rechaça, que impede e repele a presença de alguém ante o “misterioso”. O Mistério é justamente o contrário, é aquilo que produz em nós encantamento, produz o desejo de proximidade. O Mistério gera o fruto da sedução benfazeja que nos faz sempre buscar a Deus, mas sem jamais O conhecer em profundidade.
Ele, Deus Eterno, é o “Deus absconditus” que Isaías nos apresenta, mas um Deus que embora sendo e permanecendo Mistério nos quer perto de Si:
“Entretanto Tu és um Deus que se esconde, ó Deus de Israel, o Salvador. [ao que o Senhor nos revela] Não há outro Deus fora de mim, Deus justo e Salvador não existe, a não ser eu. Voltai-vos para mim e sereis salvos”. (Is 45,15.21b.22a.)
Lembro-me do profeta Jeremias: “Tu me seduziste Senhor e eu me deixei seduzir; Tu te tornaste forte demais para mim, Tu me dominaste” (Jr 20,7). Esse Mistério que envolve o Eterno Deus é de tal forma encantador que, sua força imensurável, nos faz ir ao Seu encontro e encontrando-O queremos sempre mais e mais, sem nos deixar saciar, porque de tal maneira nos seduz o mistério de Deus que aspiramos seu amor dia e noite: assim como a corça bramindo por águas correntes, assim minha alma brame por Vós óh meu Deus! (Sl. 42,2).
Hoje, celebramos o Mistério Solene da Santíssima Trindade. Esse Mistério que não nos repele, mas nos seduz, Mistério de um Deus que é Pai, que doa seu Filho e nos consagra e congrega no amor de seu Espírito Santo.
O Mistério do Deus absconditus que Se nos desvela no Filho amado e que na face do Filho deixa-se contemplar.
Quando meditamos esse pequenino fragmento do Evangelho de João, proposto para Liturgia da Solenidade, percebemos que o véu do Santuário é aberto com o Cristo e o Mistério torna-se mais próximo e encantador. Ele nos chama no Cristo, fecundo no seio de Maria, pela ação do Espírito Santo, à beleza de um encantamento mais profundo.
Assim, a Comunidade do Discípulo Amado nos traz o desvelar de Deus, o desnudar de Seu braço está todo contido no Filho, e ali, nos deixa toca-Lo na existência no Filho Unigênito que já não é mais o Filho do Homem, mas agora é o Filho “imensamente querido”, como nos diz o teólogo Konings, revelado pelo Pai no Jordão.
O Pai não somente revela o Filho e o Filho revela o Pai, mas o Pai nos doa o Filho amado, não com desejo sanguinário, mas como desejo de amar na presença e se deixar amar na fidelidade. O lamentável é que o distanciamento que nos damos, ou seja, enquanto Deus se nos dá em Seu Filho, nós fugimos novamente para o Egito da solidão fora de Deus e longe de seu amor.
Jesus é o dom do Pai para humanidade e a ação de Cristo é fomentada na força do Espírito Santo de Seu nascimento ao pós ressurreição derramando o Espírito sobre os discípulos e enviando-os em missão. Como nos ensina o Papa Bento XVI, de saudosa memória, “a missão do Filho e a do Espírito Santo são inseparáveis e constituem uma única economia da salvação”.
Desta forma, percebemos que, amando-nos Deus se revela a nós desde a criação aos dias atuais na evangelização da Igreja e na promoção do amor que age e edifica o Seu Reino.
O Mistério permanece, mas permanece, como dito acima, não para impedir o acesso ao Seu amor, permanece e nos chama ao encantamento, nos convida à proximidade no Filho pelo Espírito. Ele caminha conosco e não nos deixa sós e crendo em sua presença e em seu amar possamos agir como o Filho agiu, impulsionados pelo Espírito, na mesma missão de se doar amando e servindo.
Pe. Jean Lúcio de Souza.