Quando era mais novo, sentado com meu avô na varanda de sua casa, numa daquelas conversas de sabedoria que só os avós sabem transmitir com tamanha tranquilidade, ele contava a história do velho fazendeiro, que do curral d’onde retirava leite, ouvia ao longe os velhos carros de boi rangendo pelo caminho, ecoando “o lamento do vazio”.
Noutros momentos escutava apenas o “trac” seco e grave das grandes rodas socando pelo chão de terra dura e seca, carregando o peso do trabalho das pessoas no campo: arroz, milho e feijão.
Ao lamento, o velho retireiro dizia: cantou demais quem nada tem. Aos trancos duros o velho dizia: como Cristo, que carregou a carga dos pecados humanos na cruz, escuto o seco barulho das rodas do carro de boi, carregando a sina de Adão e Eva, o lavoro árduo do homem do campo.
No final meu avô sempre falava que quem nada tem no coração é como carro de boi vazio, a gente sabe que vem ao longe, mas nada traz de bom, a não ser o “lamento do vazio”, que é muito triste. Quem tem coisas boas no coração é como o carro de boi cheio, passa silencioso pelas estradas, quebra as pedras pelo caminho, ouve-se seu barulho como o arrastar da pesada cruz até o calvário, muito silenciosa, muito preciosa, sustentou a carga da vida eterna. Prefira ser o carro silencioso!
Meu avô, que não era teólogo, nem filósofo, sabia das coisas do Evangelho e, já naquela época, dava uma belíssima catequese sobre o Evangelho de hoje.
Carro de boi vazio é igual ao homem que constrói sua casa sobre a areia, faz muito barulho, mas está tão vazio, é tão arrogante e por isso fraco e inconstante, que só se pode ouvir dessas pessoas o “lamento do vazio”.
Carro de boi cheio é igual ao que construiu sua casa sobre a rocha da Palavra de Deus e a colocou em prática. Está repleto dos dons de Deus e leva esses dons por onde passa como que levando no coração o preciso dom do alimento da vida eterna – tira coisas boas do baú do seu tesouro. É silencioso e silenciosa e sempre tem algo de bom para oferecer: perdão, misericórdia, o amor de Deus que acolhe.
Ao final compreendemos que, tomar a cruz do dia a dia e, seguir Jesus é o lugar benfazejo que nos mantém de pé durante as tempestades da vida e que nos faz frutificar em boas obras. O extraordinário da fé, portanto, não estaria no pelo pregar, nem tanto em profetizar o que Deus não nos mandou profetizar, tão pouco expulsar os demônios da histeria coletiva.
O extraordinário da fé encontra-se no silêncio de quem constrói sua vida sobre a rocha. Quem assim age tem o olhar da misericórdia, os ouvidos aguçados ao mandamento do amor e as mãos operantes que edificam o Reino de Deus, como um bom operário na Messe do Senhor.
Pe. Jean Lúcio de Souza