A caminhada de Israel pelo deserto, narrada nos livros do Êxodo e dos Números, justapõe episódios relativos à carência de comida e bebida; a perigos próprios de uma região inóspita, semidesértica; a reações de rebeldia e de murmuração e, ao mesmo tempo, relata as intervenções de Deus diante das carências e das rebeliões. O povo, mais do que olhar para a salvação alcançada, para o dom gratuito de Deus, olha para trás com saudades do Egito e dos bens de que lá dispunha, esquecendo os sofrimentos. Parecia-lhe melhor continuar escravo no Egito que livre no deserto, a comer o maná, que não enchia os estômagos. Israel é um povo descontente, incapaz de reconhecer os dons de Deus: a liberdade e o pão descido do céu. Quanta das vezes, nós, o novo povo de Deus, também assim agimos! Moisés, ligado ao destino desse povo, entra em crise e se põe, com suas angústias, diante de Deus. Suas lamentações, no seu realismo, antecipam as lamentações dos salmos e dos Profetas. Em quem encontrar refúgio, senão em Deus!
No Evangelho, a notícia da morte de João Batista leva Jesus a afastar-se da multidão, para escapar à presumível tentativa de O matarem. Mas, fiel à missão que o Pai Lhe confiou, Ele responde com amor à multidão que Lhe pede gestos de salvação (vv. 13-14): cura os doentes que Lhe são apresentados e sacia a fome dos que O seguem. A narrativa deste milagre antecipa, na intenção do evangelista, o da instituição da Eucaristia (cf. Mt 26, 26). Os discípulos serão ministros, distribuindo aos outros o pão que Jesus lhes dá (v. 19). É Jesus quem satisfaz todas as necessidades humanas, nos cura e sacia a nossa fome. Ao mesmo tempo, como aos discípulos, nos faz instrumentos d’Ele: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (v.16). Na comunidade escatológica, fundada por Jesus, desaparecem toda a doença e toda a necessidade.
Reconheço os dons de Deus em minha vida ou vivo a murmurar? Sou firme em seguir adiante ou fico olhando para atrás, preso às escravidões desse mundo? Testemunho a minha fé com boas obras? Sei agir com misericórdia e partilhar o que sou e o que tenho?
Senhor Jesus, como me sinto semelhante ao teu povo, outrora peregrino no deserto. Todos os dias, me mandas o maná salvador da Palavra e da Eucaristia. Mas também, todos os dias, me deixo levar por saudades de outros alimentos e bebidas. A leveza do pão do céu, muitas vezes, não me satisfaz. Já experimentei a liberdade e a libertação com o êxodo do pecado. Mas, com frequência, olho para trás, sonho com o passado e esqueço os teus dons. A minha vida assemelha-se, por vezes, ao deserto árido e o meu caminho torna-se pesado e cheio de miragens enganadoras. Perdoa-me, Senhor! Tem paciência comigo. Renova as tuas maravilhas, para que não me esqueça de Ti e da tua Aliança. Sacia-me cada dia com o pão do céu, para que eu avance no deserto rumo à pátria, a Jerusalém celeste. Amém.
Pe. Marcelo Moreira Santiago