Sempre que a liturgia da Palavra abre uma porta para reflexões extremamente atuais e, portanto, necessárias é muito bom que a Comunidade dos fiéis entre por essa porta e busque não somente compreender mais sobre aquela possibilidade, mas também, dar vida à proposta colocada pelo conteúdo apresentado pela liturgia da Palavra.
Hoje, de modo muito bonito, se fôssemos reduzir toda liturgia da Palavra em uma só palavra, acredito, que seria a palavra: cuidado. Há um desejo de “cuidar”, numa ótica totalmente voltada para o outro que permeia tudo neste sábado da primeira semana do Advento.
Se abrirmos bem nossos corações vamos perceber esse conteúdo, por exemplo, na primeira leitura quando o profeta anuncia ao povo que Deus “se comoverá à voz do teu clamor; logo que te ouvir ele atenderá”, ou seja, uma das dimensões lindas do cuidado é aprender ouvir. Deus nos escuta. O clamor do povo não chega aos ouvidos do Pai sem razão de ser e sem sentido de socorro. E mais, ao ouvir, a atitude de cuidar, O faz agir, pois, “o Senhor fará curar a ferida/lesão da chaga de seu povo”. Ele se inclina para curar e cuidar.
Na mesma perspectiva o salmista alenta o povo com palavras de conforto e zelo, pois o Senhor, Ele mesmo, “conforta os corações despedaçados”, Ele mesmo “enfaixa suas feridas e as cura”, Ele é “o amparo dos humildes”. Confortar é fortalecer de dentro para fora, é consolar a alma perdida, os sentimentos confusos, iluminar as razões vacilantes. Enfaixar as feridas, é não permitir que o corte que sangra na história se torne maior, não inflame causando damos maiores e irreversíveis. Exige um maior cuidado e atenção. Exige tomar a dor do outro em suas mãos e com a licença de um grande cuidador aliviar o que dói. Amparar é não deixar que o solo vacilante da vida humana derrube os desamparados pela e na vida. É deixar que o outro saiba onde está sua casa, para onde pode voltar quando a desilusão do mundo obscurecer a vida e sem saber para onde ir, possa retornar ao amparo do abraço de um Deus que escolheu e se permitiu chamar de Pai.
Por isso, ao enviar Seu Filho, Jesus Cristo, aconteceu, pelas Palavras do Senhor o anúncio do Reino de Deus, que passa pelo cuidado, pelo zelo, pelo não desprezo dos vacilantes e perdidos nas estradas. Os caminheiros podem encontrar-se com Jesus e serão, Nele, sempre cuidados.
A cena do Evangelho de hoje conclui com maestria toda expectativa, toda esperança, conclui a vigília do povo, porque, Jesus Filho unigênito do Pai, vem cuidar do povo: alimenta, cura, ouve, liberta...
Mas é fato que esse cuidado exige mãos operantes. Jesus chama os doze, como nos chama a todos, para participarmos e criarmos a civilização que ama cuidando. Onde está essa civilização? Essa civilização são todos os homens e mulheres de boa vontade que desistiram da guerra e do ódio. Essa civilização é e está no coração e nas mãos de todos os homens e mulheres: crianças, jovens, adultos e idosos que batizados somos incorporados no corpo místico de Jesus, não para sermos uma casta de privilegiados, mas para sermos o povo do amparo, do consolo, do zelo, o povo que enfaixa as feridas, o povo que sabe ouvir mais que falar. São todos os homens e mulheres que, embora não professem a fé católica, assumem em suas vidas o firme propósito de cuidar.
Jesus ao enviar os doze, mostra que também nos envia na mesma missão de cuidado. Nosso sim é um compromisso eternal.
A capacidade de cuidar é o amar que se deixa conjugar na vida dos irmãos e irmãs. Como diria o Teólogo Leonardo Boff: o cuidado é consciência e prática. É preciso ter consciência de que somos chamados ao cuidado, perceber que as pessoas e o mundo precisam de cuidado é acordar para uma missão, ou seja, uma prática, acordar para o agir. O cuidado do outro depende de nós.
Para ele: “cuidado” entra na definição essencial do ser humano e determina a estrutura de sua prática. Quando fala do cuidado como “solo em que toda a interpretação do ser humano se move”, significa: o cuidado é o fundamento para qualquer interpretação que dermos do ser humano. Se não tomarmos o cuidado por base, não conseguiremos compreender o ser humano. Ele funda um novo ethos, no sentido originário da palavra ethos na filosofia grega: a forma como organizamos nossa casa, o mundo que habitamos com os seres humanos e com a natureza.
Se Deus, portanto, estabelece esse desejo de cuidar e demonstra isso em Jesus Cristo, Deus conosco, significa, assim, que, ao estarmos ligados em Jesus, levamos esse mesmo DEUS CUIDADO, Deus que ama, aos outros que estão pertinho de nós. Vivamos essa missão suave do cuidado. Que esse bom propósito cresça cada vez mais no meio de nós.
Pe. Jean Lúcio de Souza