Os antigos, nossos antepassados, nos ensinaram um ditado interessante – a palavra é prata, mas o silêncio é ouro – e têm razão! Muitas dificuldades na caminhada humana se dão em virtude da palavra mal utilizada entre nós. A palavra pode causar feridas enormes em nossas histórias, aliás, a raiz de grandes males humanos está aí brotando, como erva daninha no meio da sociedade e causando grandes estragos. Dois dos 10 mandamentos possuem origem direta, quanto à sua agressão, no modo como usamos a palavra (não tomar seu Santo Nome em vão; não levantarás falso testemunho). A complexidade do perdão tem sua origem também na palavra, sendo assim, é preciso que o perdão seja e esteja nos planos essenciais de qualquer cristão e cristã, compreendendo que o uso da palavra cura e fere..
É sempre difícil falar sobre o perdão em uma sociedade que cada vez mais se expressa em diversas agressões verbais e físicas. Perdoar, como já disse algumas vezes, é doar em grande quantidade em relação ao mal que alguém praticou. É escolher deliberadamente dar-nos paz através de uma escolha, qual seja, quitar a dívida de outrem, resolvendo apaziguar-se a si pela resolução da demanda.
Perdoar é retirar de nosso castelo interior algo que passou a ser equivocadamente tão nosso, mas tão nosso, que pode servir à cura de si e de quem nos feriu. Retirar do coração como quem faz uma faxina em nossas casas, onde se verifica o “que é útil” e o “que não nos é mais útil”.
Aquilo que nos serve permanece em casa e o que não nos serve, deve ser descartado. O que não nos serve, não é a pessoa que nos feriu, esta, sempre segue seu caminho independente de nossos sentimentos. O que é preciso retirar é o dano que se espalhou em nossos corações, os sentimentos ruins e devastadores que nos causam ansiedade e raiva. Isto precisa ser retirado, mas somente com a graça de Deus. Nosso castelo interior é muito precioso para ter abrigado em si algo que não agrega à sua beleza peculiar. É preciso fazer a limpeza da memória com a graça de Deus!
O evangelista Mateus traz à sua comunidade uma reflexão sobre isso, ligando o dano (erro) causado à ideia da correção. Bom, geralmente, quando alguém nos fere a última coisa que queremos em nossas vidas é ter contato com esse (a) indivíduo (a). às vezes é até salutar, mas chegará uma hora que alguns eventos poderão colocar os desafetos em um mesmo ambiente. A vida pode provocar um reencontro, mas para quê? É bom, muito bom que algumas coisas se resolvam no plano da sinceridade.
Como diz Mateus, “se” teu irmão pecar contra ti, este trecho transporta-me ao trágico destino de Abel pelas mãos de Caim. Quando o ódio tomou conta do coração de Caim Deus se dirige a ele dizendo: Por que estás irritado e com o rosto abatido? Se estivesses bem disposto não levantarias a cabeça? Mas se não estás bem disposto, não jaz o pecado à porta, como animal acuado que te espreita, podes acaso dominá-lo? (Gn 4,6.7). Existe um dano ainda maior que aquele mal que nos causam, o mal que podemos causar a nós mesmos pelo ódio e a raiva que deixamos ser cultivada no coração (castelo). O problema de Caim foi deixar instalar em si sentimentos que o levaram a agir de maneira reprovável. Por isso Deus o pergunta: por que estás irritado?
Se teu irmão pecar, evite irritar-se de morte. Lembremos que as pessoas erram, todas as pessoas erram. Eu que agora escrevo, erro. Você que agora lê, erra. Todos erramos! A diferença está na conduta que praticamos quando erramos e quando somos atingidos pelo erro de alguém.
Para Mateus o ódio que se guarda diante das ofensas cometidas é um contratestemunho dentro da comunidade. Ele entende que é preciso haver mudanças estruturantes que passam pela forma como lidamos com o caos das diversas querelas humanas. É preciso haver caridade no modo de se estabelecem as pontes das reconciliações e da compreensão dos fatos ocorridos. É preciso mudar “como ouvimos”. É preciso mudar “como dizemos”. Aí ocorre um processo de motivação quanto à comunicação não violenta no caminho da mediação dos conflitos.
No campo do Direito, como meio de se evitar a judicialização dos fatos e atos sociais, promovendo maior celeridade na resolução de conflitos, a prática da mediação. Em síntese, como define Fernanda Tartuce, a medição consiste no meio consensual de abordagem de controvérsias em que alguém imparcial atua para facilitar a comunicação entre os envolvidos e propiciar que eles possam, a partir da percepção ampliada dos meandros da situação controvertida, protagonizar saídas produtivas para os impasses que os envolvem.
Logo, mediar os conflitos é um desejo antes de jurídico, um desejo cristão. Percebemos que o segundo estágio da proposta de Mateus seria o mais eficaz no plano da resolução dos erros cometidos entre cidadãos/irmãos. Como dito acima, nem sempre o diálogo entre as partes envolvidas, sem a participação consensual de um terceiro, poderá se desenvolver com eficiência. A cooperação de um terceiro pode ser muito boa sobretudo se o uso da comunicação não violenta for estimulado.
Se formos atribuir esse desejo ao cap. 18 de Mateus não restará dúvida que, a ovelha que se perde (18,12-14) e que é reencontrada pode estar no contexto da reconciliação via mediação. A ovelha que se afasta é também excluída, deve ser ouvida, compreendida, todas versões, todos os lados, todos os pontos devem ser observado por todos os lados sob a ótica de um terceiro, mesmo que este terceiro, em último caso, seja a Igreja que igualmente agirá com misericórdia na mediação e resolução de conflitos.
Não é o desejo que as pessoas se percam ou sejam desligadas. A comunidade não pode estar dividida em razão de conflitos internos, contudo, se alguém pecar contra cada um de nós e se pudermos conversar com caridade, façamos. Se não houver possibilidade, peça a ajuda de um mediador que compreenda, use e promova a linguagem não violenta para que os conflitos possam ser superados em bem da Igreja. Lembro-me agora de Marshall Rosenberg que diz: a comunicação não violenta ajuda a nos ligarmos uns aos outros e a nós mesmo, possibilitando que nossa compaixão natural floresça. Ela nos guia no processo de reformular a maneira pela qual nos expressamos e escutamos os outros...
Encerro com fragmento de um poema:
(...) Palavras são janelas ou são paredes.
Elas nos condenam ou nos libertam.
Quando eu falar e quando eu ouvir,
Que a luz do amor brilhe através de mim.
Há coisas que preciso dizer,
Coisas que significam muito para mim.
Se minhas palavras não forem claras,
Você me ajudará a me libertar?
Se pareci menosprezar você,
Se você sentiu que não me importei,
Tente escutar por entre as minhas palavras
Os sentimentos que compartilhamos. (Ruth BeberMeyer)
Pe. Jean Lúcio de Souza