Uma pessoa me disse, com tristeza, em confidência, ter presenciado alguém, que se diz católico, mostrar contentamento com o falecimento do Santo Padre, o Papa Francisco.
Logo a tranquilizei, dizendo para não se escandalizar. Que uma atitude assim não surpreende. Lembrei a ela que na Semana Santa, nas celebrações intensas do mistério pascal – da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, vimos que muitos do convívio mais próximo de Jesus o abandonaram; outros, inclusive gente religiosa daquele tempo, não só se alegrou, mas imbuídos da maldade humana, condenaram o Filho de Deus à morte, “crucifica-o, crucifica-o”, (Lc 23,21) foi o seu grito estridente.
Desde que o mundo é mundo, infelizmente, isso acontece. Não foi Caim que por ciúmes, por julgar-se “dono da verdade”, acabou por matar o seu irmão Abel? Jesus já alertara aos que os seguiam: O discípulo não é maior que o Mestre (Mt 10,24-25). Ora se fizeram isso a Jesus o que não vão fazer com os seus discípulos e discípulas, a começar do Papa, o Servo dos servos de Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem é confiado conduzir, por obra do Espírito Santo, o povo de Deus nessa terra rumo a Jerusalém celeste?
Em uma sociedade que destina ódios, deleta pessoas, pratica injustiças, apregoa preconceitos e viola a vida, a dignidade da pessoa humana e o bem comum, testemunhar o Evangelho, na fidelidade a Jesus Cristo, é causa de sofrimentos e perseguições.
Não se iluda quando tudo caminha “a mil maravilhas” e sem maiores questionamentos, face aos desafios sociais e ambientais, sem um olhar de atenção e de cuidado com a vida, a partir dos pequenos. Caso isto aconteça, desconfie desse “evangelho” pregado e pouco testemunhado. Pode estar nos faltando mais humanidade, mais senso ético e mais testemunho profético da fé. Pode ser que, sem perceber, estejamos nos fazendo surdos aos apelos do Espírito de Deus, para esses novos tempos; que estejamos fazendo da “Boa Nova” a anunciar e a testemunhar, um “conformismo” diante das injustiças e dos desmandos humanos.
Nada mais eloquente para o testemunho da fé que a entrega da vida pelo Reino de Deus, imitando Jesus, no seguimento a Ele, na vivência do discipulado missionário, por vezes, sujeitos ao martírio diário da incompreensão e da maldade humana.
Jesus ao chamar os apóstolos, e hoje a todos nós ao apostolado, não iludiu ninguém com promessas “mirabolantes”, apenas respondeu a Pedro quando este lhe disse: "Eis que nós deixamos tudo e te seguimos". Respondeu: "Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, durante esta vida... com perseguições e, no mundo futuro, a vida eterna” (Mc 19,28-30). Em outro momento diz: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me; porque aquele que quiser salvar a sua vida vai perdê-la, e quem perder a sua vida por amor de mim vai achá-la” (Mt 16,24-25)... "O que Eu fiz, vão e façam” (Mt 28,19-20).
Assim foi a vida do Papa Francisco, vivida intensamente e na verdade, desapegado dos bens materiais e com extremoso amor, nos conclamando, com a palavra e o testemunho de vida, na perspectiva do Reino definitivo, a amar e servir a Deus a partir dos pobres; a nos comprometer com a vida humana e a do planeta, nossa Casa Comum; a ser uma Igreja samaritana e em saída, indo ao encontro de todos, a partir dos afastados, para lhes desvelar a “misericórdia” do Pai; a viver a sinodalidade, a caminhar juntos em comunhão, participação e missão; a sermos protagonistas da amizade social e da boa política, capaz de tornar o mundo melhor, sinalizando a presença do Reino de Deus entre nós; a ter um olhar para a humanidade, pois todos são filhos e filhas de Deus; a sermos misericordiosos, movidos pela compaixão, sintonizando o nosso coração ao Coração humano e divino de Nosso Senhor Jesus Cristo; a sermos, no mundo, “peregrinos da Esperança”. A nós padres, de modo especial, a amar e servir, na fidelidade a Jesus Cristo, o Bom Pastor, e a trazer na vida “o cheiro” das ovelhas...
Na fidelidade a Jesus e no amor à sua Igreja, O Papa Francisco se fez “Servo sofredor”, imolando sua vida, na entrega diária, à missão que d’Ele recebeu. Também ele “passou por este mundo fazendo o bem” (At 10,37). Ouve hoje, diante de Deus o que também, um dia, esperamos ouvir: “Servo bom e fiel, vem para a Casa do teu Senhor" (Mt 25,21).
Obrigado, Papa Francisco. As vozes destoantes de quem como no passado se fez “cego” à pessoa de Jesus, só reforçam a grandeza de sua vida e de sua fé, de seu testemunho e do seu zelo e amor a Deus, à Igreja e à humanidade.
Sua vida que aqui foi “na presença de Deus”, agora se plenifica, com sua páscoa definitiva, tendo passado pela morte, para estar junto de Deus no céu, inspirando e intercedendo pelo mundo e pela Igreja, em sua missão de Evangelizar, atenta aos apelos do Espírito Santo, fiel a Jesus Cristo e, em tudo fazendo a vontade do Pai para que todos tenham vida e vida de verdade, “vida em abundância” (Jo 10,10).
Foi sobre isso que, de um modo informal,estive a conversar com a pessoa em referência, sentindo depois o desejo de também partilhar com você, meu irmão, minha irmã.
Obrigado “Franciscus”!
Pe. Marcelo Moreira Santiago