Viva Santo Antônio!
Caros irmãos e irmãs,
Continuamos hoje, o itinerário reflexivo com o mesmo ritmo de ontem. O que queremos dizer? Trazemos aos nossos corações muitas sementes e as plantamos, por isso, aquele ambiente gentil e fecundo se torna um ambiente muito difícil de nossas vidas, transitar por aquele jardim, exige de nós coragem, cuidado, zelo e atenção. O que ali plantamos, de alguma forma permanece, porque, quando germina, frutifica e nos alimentamos daquilo que frutificou e não raras vezes, oferecemos esses frutos aos outros também. Tudo isso, pode nos causar grandes alegrias ou grandes dificuldades, aqui, nasce a imperiosa necessidade de se observar bem o que nos chega antes, bem antes, como sementes para serem plantadas naquele terreno tão gentil.
Vejamos como o texto de Mateus hoje pode nos levar a compreender o que disse acima?
Mateus, neste curto fragmento, começa sua fala sobre o adultério e termina falando sobre o adultério. Em uma sociedade extremamente patriarcal como a sociedade no período que Jesus vivera, onde as mulheres ocupavam um espaço de terrível segregação social eram totalmente dependentes das benesses masculinas, quais sejam de seus pais, irmãos, maridos, filhos e em alguns casos caóticos de seus cunhados. Não havia reconhecimento da pessoa da mulher frente ao homem na comunidade, seja político, religioso ou social, qualquer insatisfação masculina em relação à sua esposa serviria de motivação para que se emitisse uma certidão de divórcio e a despedisse, colocando sua vida em situação marginal sem a proteção do homem “grande” benfeitor, abrindo aquele sujeito a possibilidade de adquirir “novo produto” que lhe fosse útil e agradável.
Como isso poderia acontecer? Não estamos falando em questões legais, mas gostaria de pensar junto com vocês sobre os afetos, aquelas sementes que foram, são e serão plantadas em nossos corações. Para que aquela conduta chegasse à plena execução seria preciso que o homem adulterasse em seu coração as realidades de sua vida familiar e, adulterar é tornar falsa as medidas e os valores da vida para se adquirir uma novidade inverídica e insustentável [sementes de ervas daninhas e espinheiro em nosso jardim interior]. É quando abandonamos o iter amoris, isto é, a jornada do amor, para abraçarmos o iter criminis, que falávamos ontem. Neste caso, o olhar já havia se desviado para novas propostas ilusórias e os passos já haviam se encaminhado para paragens e destinos de novas aventuras desconectadas da vida familiar, já deixadas de lado. O amor já não é a proposta, há apenas o desejo da vantagem.
Jesus bate nesta situação complexa, porque toda realidade fica adulterada, seja pelo abandono da mulher que, em situação de vulnerabilidade, poderia se ver jogada nas mãos da prostituição ou da mendicância para conseguir sobreviver. Tal situação nasce causada pela atitude covarde do homem que para nutrir suas vontades, descaracteriza a jornada do amor em detrimento do caminho do mal que desarticula vidas, feriria corações e desagregaria a família já constituída.
Quando olhamos para vida atual, percebemos, graças a Deus, que as mulheres não ocupam mais o espaço de tamanha dependência do homem, nem precisam ver-se submetidas às grandes humilhações de séculos atrás, contudo, a fragilidade ainda impera no meio social. A violência contra a mulher ainda é uma vergonha para nossa sociedade, ainda este ano o Ministério das Mulheres publicou o RASEAM/2025 – Relatório anual socioeconômico da Mulher – que introduziu números alarmantes de violência feminina.
Em 2023 foram 302.856 notificações de violência doméstica, contra 216.024 casos em 2022, um aumento exponencial. Destes dados 41,2% dessas violências são contra mulheres casadas ou em união consensual, ocorreram 44,7% de reincidência nas violências e 56,8% referem-se à violência física. Percebam comigo, como podemos adulterar a vida familiar com a violência que gera o divórcio na alma. E como diz o próprio Ministério das Mulheres (RASEAM/2025): É importante destacar que existem desafios quanto à subnotificação, pois nem todos os casos são registrados, isso pode acontecer por conta de infraestrutura de saúde precária local ou por muitas mulheres deixarem de relatar sua situação a profissionais de saúde devido ao estigma associado à violência ou, até mesmo, devido à falta de sensibilização dos profissionais à questão.
Após séculos, ainda somos capazes de presenciar, como no coração humano pode ser semeada a semente da violência, da dor, da ignorância que provocam o distanciamento, o divórcio e a morte. Como diz o Padre Zezinho, se as famílias amassem mais... Ah sim, se amassem mais e se respeitassem, o divórcio na alma e no coração não chegaria às vias de fato.
Cuidemos mais de nossos corações, não podemos deixar que as sementes da discórdia, da violência, da indiferença, da falta de amor (incluindo o amor próprio) sejam semeadas em nossas vidas pessoais e familiares. Que de verdade nossos olhos e nossos passos não nos conduzam ao distanciamento e à maldade. Que sejamos, à luz do Espírito de Deus, homens e mulheres propensos sempre mais à misericórdia, à temperança e à jornada do amor, que busca o diálogo e o cotidiano encantamento de nossos corações por aqueles e aquelas que amamos. No entanto, se a vida nos roubar o brilho nas relações familiares, não sejamos omissos, somos responsáveis também por evitar qualquer tipo de mal. Que as mulheres vítimas de qualquer tipo de violência encontrem na Igreja, na sociedade e nas estruturas de atuação governamental o acolhimento, proteção e a preservação de sua dignidade.
Pe. Jean Lúcio de Souza