Primazia e primogenitura. Paulo diz à comunidade dos colossenses que Jesus é o portador destas duas características. É o primogênito do Pai. O primeiro, o perfeito, único, gerado, não criado, Ele é consubstancial ao Pai. Ele é a beleza tão antiga e tão nova. Por Ele todas as coisas foram feitas e sem Ele, o primeiro, nenhum de nós poderíamos receber tamanha graça. Mas, é Aquele que também possui a primazia da vida e da morte. Interessante lembrar que somos filhos no Filho, enxertados em seu corpo místico para que a partir Dele recebêssemos graça sobre graça e participássemos dos bens e dos perigos de estarmos a Ele associados.
À crítica dos fariseus e mestres da lei, Jesus responde a partir da dimensão da festa do noivado. Todos festejam os bens com Jesus e neste momento não há jejum. Por outro lado, chegará o dia dos perigos, aí todos jejuarão em face de nossa participação nos perigos da missão aguardando nosso regresso à casa do Pai, às núpcias definitivas do Cordeiro.
Mas há algo interessantíssimo: os mestres da lei e os fariseus usam duas figuras para criticar a postura dos Apóstolos – os discípulos de João Batista e os discípulos dos fariseus – em um primeiro momento poderia soar como apenas mera comparação, mas não poderia ser. Os fariseus possuíam o domínio do conhecimento da estrutura religiosa de Israel e seguiam fielmente todos os ensinamentos recebidos, tanto que Paulo chegará a se declarar fariseu e filho de fariseu, pertencente à “casta” da decência e do respeito à Lei e às tradições. Os fariseus eram símbolo de autoridade. Os discípulos de João seguiam a austeridade do Batista, profundamente ligados à adequação de suas vidas aos ensinamentos do precursor, contudo, ambos esperavam o Messias. Para os fariseus não haveria o reconhecimento de Jesus enquanto Messias, contudo, mais adiante João reconhecerá Jesus como o Cordeiro, o esperado, o noivo a tal ponto que a primeira leva de discípulos do Senhor se desligam do discipulado joanino indo ao encontro de Jesus.
O que há nesta comparação? Os discípulos do novo mestre subvertem a ordem estabelecida em Israel que até mesmo João Batista observava. Então, quem seria esse Jesus Mestre que seus discípulos não jejuam? O problema está na lentidão dos fariseus e mestres da lei e sua má vontade em reconhecer o Senhor. A crise está instalada. João o aponta: eis o Cordeiro de Deus. Os fariseus, raposas, o negarão.
Assim, mudam-se as perspectivas. Jesus é claro em dizer que ao se encontrarem ainda com o Noivo, não poderiam jejuar, a dimensão do anúncio a presença do Deus-conosco levava os discípulos a crescerem em intimidade com Cristo, a receberem os bens. Contudo, sim, dias iriam chegar em que o Filho do Homem seria morto, neste dia e deste dia em diante a “solidão” exigiria o jejum, exigiria dizer que agora receberiam também os perigos do seguimento – Pedro, um dia haverão de te cingir e o levarão para onde não queres ir – a morte do discípulo é a participação na conclusão de sua missão junto a Jesus. Ele tem a primazia. Ele é o primogênito, nós o seguiremos enquanto filhos no Filho, ligados ao seu corpo místico que conheceu os limites da cruz e conhece os bens da vida eterna – porque onde estou quero que também vocês estejam – na vida e na cruz.
Para cada tempo há seu momento. Vinhos novos em odres novos. Vinhos velhos em odres velhos. Por hora, seguem o Senhor na novidade do Evangelho, depois o seguirão na missão, haverão de amadurecer com o tempo. É preciso compreender que a vida se transforma em Jesus – Alfa e ômega – ontem hoje e sempre... que Ele irrompe o tempo que conhecemos e que Nele tudo se restaura o antigo e o novo e que cada qual no seu odre alimenta a história na espera que se completa em Jesus. É Ele que em Caná dará o vinho novo à comunidade. Ele que transforma o vinho antigo da Páscoa Judaica celebrada em Aliança Perpétua no sangue que verte na cruz, e Nele habita a plenitude do amor de Deus. Ele não é o remendo da história, mas é Nele que a própria história se cura e se renova. É Ele que se manifesta o cântico de Agostinho... ó Beleza tão antiga e tão nova.
Esta liturgia é poética e termino nossa reflexão lembrando a letra da música “É preciso”, cantada no velório de nosso querido Cônego Jadir, que para mim, fala muito, deste vinho, desta novidade tão antiga e tão nova, que nos chama em nosso tempo sermos com o Cristo construtores de novos rumos.
É preciso que o mundo envelheça pra como criança a vida brotar.
É preciso mudar os caminhos pra que as coisas não voltem pro mesmo lugar.
A esperança é o fermento do mundo que é pão e a todos deve alimentar.
Nós queremos que ele se torne o Corpo de Deus num só altar.
É preciso que a gente entenda: o tempo é passagem não fica jamais.
É preciso cortar as raízes, ir sabendo que nada é certo de mais.
É preciso saber que a verdade não anda tranquila, não tem mais poder.
É preciso abrir bem os olhos para vê-la sofrendo porque quer viver.
É preciso voltar ao princípio, viver é tão simples, feliz é quem crê.
É preciso buscar a alegria nestas coisas pequenas que o mundo não vê.
É preciso quebrar as barreiras que impedem a vida de desabrochar.
É preciso com olhos humildes ver que tudo é areia, só Deus é o mar.
Pe. Jean Lúcio de Souza
Primeira sexta-feira do mês, dedicada ao Sagrado Coração de Jesus.
Jesus, manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao vosso!