Aimê (nome aqui fictício para preservar a verdadeira identidade da amiga que me procurou numa situação não fictícia) chegou ao consultório andando como se estivesse acuada, sendo espreitada por um perigo eminente que a acompanhava o tempo todo. Amedrontada e triste! Tentei cumprimentá-la com um abraço, pois já nos conhecíamos há mais tempo, mas ela se encolheu tanto ao meu toque que tive a impressão de que queria sumir, ou que o abraço que eu tentava lhe dar a violentasse! Raramente olhava para mim, e toda vez que o fazia (o que durava um breve instante) dava-me a impressão que o brilho dos seus lindos olhos esverdeados havia se tornado opaco; era um olhar sem vida, cabisbaixo, sofrido. Sentou-se e, chorando copiosa e sentidamente, foi dizendo: “Não suporto mais. Não sei mais o que fazer! Vivo acuada, com medo, apreensiva por causa do meu companheiro. Já não sei o que fazer para que ele goste de mim! Começamos bem, mas agora ele só me maltrata!” E depois de muitos desabafos, de me dizer o quanto sofria violência psicológica, moral e assédio quase o tempo todo, veio a frase que, para mim, foi a maior prova do quanto minha amiga tinha perdido totalmente a autoestima, e estava prestes a perder a própria dignidade, por assim dizer. Ela me disse: “Eu sei que às vezes não cozinho bem, como ele merece, não consigo arrumar a casa como ele me manda, e nem fico muito a vontade com algumas coisas que ele me pede! Acho que realmente não mereço o ‘amor’ dele. Não sei mais o que fazer para agradá-lo! Acho que ele tem mesmo razão: se ele terminar comigo, ninguém mais eu encontrarei que me aceite!”
Completamente consternada, minha amiga estava chegando ao fundo do poço da violência psicológica e moral, ao qual inúmeras mulheres chegam: acreditando que não são boas o bastante para corresponder a um relacionamento envenenado pela violência, pelo assédio e pela naturalização do desamor e do desafeto. Neste ponto, tornaram-se incapazes de perceber que estão na companhia de um “jurássico macho”, para usar um termo que nos ensinou o psiquiatra Içami Tiba, para se referir àqueles “pseudo-homens” que são na verdade tiranos, autoritários, insensíveis, grosseiros, e quase sempre prontos a repetir o histórico de violências com as quais sua própria história foi marcada. A convivência com estes “jurássicos” foi tão intensa e extensa que nesses “relacionamentos tóxicos” se convenceram, numa espécie de desamparo aprendido, minha amiga e tantas outras, a se anularem, a mendigarem amor, a chegarem à conclusão que no fundo merecem, “naturalmente”, serem tratadas assim! Infelizmente, tais “pseudo-homens” não parecem estar em extinção!!!
Tais jurássicos devem ser “blindados” ao ato de fé, pois bastaria se aproximarem de Jesus para perceberem quão distantes estão da prática do verdadeiro amor, do verdadeiro cuidado, do verdadeiro afeto! Numa das passagens mais icônicas dos Evangelhos, o Senhor ficou a sós com uma mulher, julgada pecadora devido ao flagrante adultério. Depois de ter expulsado os seus algozes (da mulher e dele mesmo), que lhe armavam uma emboscada, Jesus e aquela mulher estavam sozinhos. Segundo o relato bíblico, Jesus reclinou-se e, diante da mulher, escrevia no chão! (João 8, 1-11). Muito se especula sobre o que Jesus estava escrevendo: os pecados de cada algoz? Alguma sentença da Antiga Lei? Ganhando tempo para pensar o que responder? Tenho para mim que Jesus escreveu algo para aquela mulher; algo divinamente profundo que fez aquela mulher, naquele instante sagrado, encher-se de temor e tremor. Algo do tipo: quisesse alguém dar tudo o que tem para comprar o amor, seria tratado com desprezo... mas o amor é forte como a morte! Põe-me como um selo em teu coração! (Cântico 8, 6-7). A brisa da manhã soprava sobre os dois como um sopro do Espírito! Ela temendo! Ele a amando profundamente! Estando assim um diante do outro, Jesus limpou suavemente, com a beirada do seu manto, o canto da boca daquela mulher que deixava escorrer um fio de sangue, por ocasião da descabida violência. Depois, tocou ainda mais suavemente o rosto daquela mulher que tinha os olhos fixos ao que Jesus escrevera no chão. O calor da mão do mestre acendeu-a inteira, exorcizando o frio e o medo; um calor ternamente viril, como ela jamais sentira até então; um toque que ela jamais experimentou dos inúmeros toques dos que se apossaram de seu corpo até então; um calor que combinado àquela brisa suave foi lhe pacificando o corpo, a mente, o coração. Sentiu, então, uma leve pressão sobre o queixo levantando seu rosto macerado pelas pancadas até o ponto de seus olhos se encontrarem com os de Jesus. Nunca dantes havia sido penetrada por um amor assim. Fora transpassada até a alma por aquele olhar de amor, de acolhimento, de misericórdia que a convidava a crer no que havia lido: o amor é forte como a morte! Enfim, estava ali à sua frente o amor! Não era possível não ver, não crer! Sério e docemente, Jesus olhando profundamente para ela, dialogando com ela como ninguém jamais fizera, levantou-a como quem tem autoridade para resgatar toda dignidade depois de dar-lhe um demorado abraço, forte, firme, aconchegante como o do Pai da parábola do filho pródigo, estreitou seu rosto entre as palmas de suas duas mãos e lhe disse: “Eu também não te condeno! Vai, e que o amor te convença a não mais pecar!”
Rezemos para que Aimê (que significa “a amada”) e suas coirmãs no sofrimento se encontrem com os olhares de Jesus. Rezemos ainda mais para que esses jurássicos machos que estão por aí possam algum dia serem tocados, olhados e amados por Jesus da mesma forma. Compreenderão, então, que suas histórias pessoais podem ser restauradas a fim de estarem livres para amar de verdade, assim como nasceram para amar e não para machucar! Amém!
Diácono Robson Adriano