Caros irmãos e irmãs,
A cena do Evangelho de hoje é muito intrigante. Ao que parece, o convite para tomar uma refeição na casa de um dos chefes dos fariseus não possui o símbolo da acolhida, mas sim de uma emboscada. Jesus é atraído para um cenário perverso onde será testado, não somente Ele, mas, quem sabe também, seus queridos discípulos.
Tomar uma refeição é, inicialmente, lugar da intimidade com a família que convida. Assentar-se à mesa é um contemplar nos olhos, é o partilhar do pão oferecido que é fruto de trabalho, de suor e comprometimento com a existência pessoal, de uma família e de seu (sua) convidado (a).
Este lugar é ambiente não só de acolhida mas comprometimento com quem se convida. Queremos que essa pessoa esteja bem, sinta-se bem e sobretudo esteja segura e protegida. Se a mesa é o lugar da intimidade a casa é em comparação, o lugar da segurança e, aqui, Jesus não é acolhido e sua segurança está sendo colocada em risco.
A trama é bem costurada: Jesus está sendo observado. A cena nos remete àqueles filmes de aventuras em alguma floresta, onde alguém caminha rumando ao seu destino e à espreita estão as feras, prontas e dispostas a devorar. Esta observação postula o mau desejo daquelas pessoas, ferozes em surpreender Jesus em algo que o pudesse incriminar.
Mas Jesus, Deus e Humano verdadeiro, conhece as intenções daquelas criaturas de coração enturvecido pela maldade.
O personagem do hidrópico, possuidor de uma doença chama hidropisia que, em síntese, seria uma acumulação de líquido ou fluídos corporais causada por vários fatores, entre eles, má circulação causada pelo mau funcionamento do coração, insuficiência renal ou problemas de ordem hormonal. Como essa doença era vista no tempo de Jesus? Com certeza como um tormento pessoal e que poderia impedir a vivência do cidadão de maneira plena.
Na verdade, não estamos longe do tempo de Jesus em termos de pensamento e acolhimento e, por qual motivo? As doenças de modo geral ainda são um “tabu” para a grande maioria das pessoas que em sua ignorância observam também os limites físicos, psicológicos ou psiquiátricos como um mal a ser expurgado da sociedade e de seus olhos “purificados" de doenças. Alcançamos inclusive o campo da superstição, sim, algumas pessoas não dizem “câncer” por medo de atraírem a doença. Dizendo ou não, se ela tiver que chegar, chegará...
Tratamos nossos enfermos como seres, quem sabe, de categoria inferior dentro da sociedade. Penso hoje, por exemplo, nas pessoas com Alzheimer, que são qualificadas como não pertencentes ao espaço de vivência comum na sociedade, são estranhas aos olhos dos outros. E nossas crianças e adultos autistas? Frequentar as missas? Não! Eles irão fazer muito barulho, irão incomodar os muito atentos às liturgias. Portadores de alguma doença visível devem permanecer invisíveis para a sociedade da hipocrisia.
A cena do Evangelho pega um “recostado” social, um doente, que por certo, estaria afastado do convívio humano. Onde ele estaria? Por que não na sinagoga ou no templo junto com seus irmãos letrados e versados nas Sagradas Escrituras? Não estava lá, mas fora trazido à casa do fariseu, que, para “não se contaminar” observava a cena de longe.
Os dois questionamentos de Jesus poderiam ser traduzidos em um único entendimento: era lícito ou não exercer o amor-misericórdia? O amor-misericórdia possui um alvo: a vida. A vida deve ser resgatada em todos os momentos e em todos os ambientes. Não se pode amar a Deus no vazio. Deus nos ama e tudo que fez, fez porque amou o que foi feito. Se todos somos amados por Deus devemos amá-Lo nos outros.
A lei é o amor. A lei é a acolhida em forma de bondade e ao mesmo tempo de rebeldia. Somente o rebelde amor de Deus não olha os limites humanos, mas ampara e caminha junto. Se não podemos curar os males físicos e ou quaisquer outros males da saúde, que vençamos os males do preconceito que mata aqueles que sabem acolher e os acolhidos. E quem os mata? Aqueles que não sabem amar, mas são rápidos nas ciladas e nos julgamentos preconceituosos.
Se quisermos compreender se somos praticantes do amor-misericórdia, vejamos quem está em nossas mesas conosco, sobretudo na Eucaristia. Quem são os admitidos e quem são os excluídos?
Eu vim para que todos tivessem vida, disse-nos Jesus...
Deus abençoe nossas vidas.
Coragem!
Pe. Jean Lúcio de Souza
Primeira sexta-feira do mês, dedicada ao Sagrado Coração de Jesus.
Jesus, manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso!