Morrer!
As realidades vitais incontroláveis da humanidade são o nascer e o morrer. O início da vida e seu ocaso, o sim e o não biológicos. Acreditamos que todos que viemos à vida conheceremos a morte. Como diz a filósofa Hannah Arendt, a condição humana conhece essas realidades e delas não pode se afastar. Mas o que se faz nesse intervalo entre o nascer e o morrer, questiona a filósofa. Aí está a ação humana.
Nossa ação entre o nascer e o morrer deve ser benéfica, ajustada ao Evangelho de Jesus Cristo, esta boa nova, que nos faz novos constantemente, mesmo que nossos corpos estejam fenecendo.
Hoje a Igreja Católica faz memória aos que nos precederam na vida e ao mesmo tempo, lembrando o preceder à fé, leva ao proveito da fé, a reflexão sobre esse fim biológico que escatologicamente casa-se com o juízo diante do Senhor que separa ovelhas e cabritos.
Morrer é fato, mas viver é um “sendo”. Só se vive bem, vivendo a vida como um dom, um bem, vivendo a vida como espaço de constituição de nossa condição humana e não o contrário.
Muitos temem a morte. Mas, temem mesmo a morte ou apenas temem não terem vivido suficientemente bem sua existência? Temem o morrer ou temem não terem conseguido viver a justiça e a verdade?
Na Liturgia da Palavra neste dia em que lembramos os fiéis falecidos, queremos lembrar aqueles que jazem nas sepulturas dos cemitérios ou os que jazem na sepultura da existência onde se colocam aqueles e aquelas que se esqueceram de bem viver o dom de Deus como também o lugar do serviço e do amor-doação?
Já sabemos que o Cristo venceu a morte eterna, inimiga da vida em plenitude. Isaías nos comunica que o Senhor nosso Deus eliminará a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces. A morte é a prisão e o choro das memórias que se esquecem do amor de Deus. Se cremos neste amor eterno, não precisamos temer a morte, não precisamos olhar para a morte como um “final”, mas como um fim, uma finalidade. Como dizia nosso saudoso e santo Arcebispo, Dom Luciano Mendes: “nós não morremos, nós passamos pela morte”. Mas, para que? Para chegarmos vivos na eternidade com Jesus.
E como chegar lá? Qual o caminho? Jesus é o caminho verdadeiro que nos leva à vida no Pai. Ele, enquanto Caminho, nos ensina por onde passar, ou seja, descobrir a face de Jesus nos irmãos e irmãs e servi-Lo aí. Assim o ouviremos pelo caminho: tive fome, me encontrei com você e me destes a comer o pão, da vida, o pão do alimento, o pão do trabalho, da saúde, da educação, do salário digno, da segurança e do acolhimento, me encontrei com você e estava com sede e me destes de beber, beber a água da fonte, beber a água viva, beber novamente a alegria de viver. Estava peregrinando como estrangeiro e vocês me acolheram, porque me sentia perdido e sem perspectivas. Vocês vestiram minha nudez, nudez que me privou e me despiu das realidades que dignificam a humanidade, estava doente fisicamente e na existência e sua visita me curou, estive preso nas cadeias da vida, do sistema carcerário, nas cadeias políticas e olhastes nos olhos e disse-me para ter coragem e esperança no Evangelho.
Não é a morte que assusta é a condição da vida humana que se desgasta no mero fazer, nas operações diárias e fatigantes. Não é a morte que assusta é o que se faz entre o nascer e o morrer. Não podemos ser um recorte na existência, nossas vidas carecem de uma experiência transformadora, para que na hora da morte nosso testemunho seja nossas vidas adequadas ao Cristo Jesus.
Deus abençoe nossas vidas.
Coragem!
Pe. Jean Lúcio de Souza