Durante esses últimos dois dias a liturgia da Palavra nos apresentou Jesus apresentando à comunidade dos fiéis um caminho novo de identificação com a vontade do Pai, qual seja, não estarmos imersos na maldade estrutural do mundo e aprendermos a amar de maneira larga, chegando ao amor-misericórdia que se aproxima daqueles que nos ofendem e daqueles que nós os ofendemos. Um não à prática da conquista dos inimigos, mas um sim de promoção da paz e do reconhecimento dos verdadeiros filhos e filhas de Deus.
Nesta quarta-feira, a liturgia da Palavra nos chama a observar o caminho que caminhamos sob três tipos de condutas já conhecidas: o jejum, a esmola e a oração. O texto já nos é bem conhecido por ser amplamente usado na quarta-feira de cinzas. Mas o que essas condutas podem nos ensinar, ainda mais, nos dias comuns de nossa fé. Trata-se de uma espécie de pedagogia que desinstala o coração humano, que nos provoca a um tipo de cuidado de si e dos outros.
O jejum embora seja uma prática voltada para a questão alimentar pode se estender para a prática da vida cotidiana, não ligada somente aos alimentos, mas à conduta de cada pessoa que é chamada a abster-se do que potencialmente lhe faz mal. A redução alimentar pode nos educar e nos colocar no campo da solidariedade com aqueles que nada possuem, mas o jejum pelo jejum pode se transformar em ato de egoísmo se não me volto àqueles que nada possuem e não procuro, na solidariedade, aliviar a penúria humana que os pobres e aqueles que estão em estado de empobrecimento passam. A pedagogia é a pedagogia da solidariedade de um amor que vai ao encontro do outro, esvaziar-se de si para preencher a vida do outro.
A esmola, aqueles 10 centavos que amplamente podemos distribuir aos que em estado de mendicância nos pedem pelas ruas ou nas igrejas nos momentos de oração piedosa ou nas Santas Missas, não configuram esmola, por si só. A palavra esmola tem origem no grego eleemosyne que ultrapassa a ideia da pecúnia. Esmola é um gesto, um movimento ligado ao que o Apóstolo Paulo já nos comunicava – se eu não tivesse amor eu nada seria – de fato, esmola é o amor que age através da compaixão, da misericórdia, esmola é dádiva caridosa. Cada um de nós nos tornamos em uma fonte generosa do agir humano que se derrama em compaixão.
Compaixão não significa “ter dó”, compaixão é o ato do Cristo para conosco, ato de esvaziamento de Si para que todos nós conhecêssemos o dom da vida em abundância. É um “adoecer com”, é assumir as feridas e as dores do outro e em suas dores estar ao lado, curando, amparando e transformando as realidades de miséria e dor. Aí o jejum ainda ganha maior sentido na existência do sofrer humano, quando sou solidário também esvaziando-me a mim mesmo.
Por ser um gesto, uma dádiva, um dom é que a vida pode ser refeita. A esmola não é um “descarrego de consciências” quando dou uma cesta básica, quando dou um dinheirinho aqui ou ali, quando retiro roupas que não uso de meu guarda-roupas e as dou para outras pessoas, não, esmola é mais, é maior, é ampla... esmolar é esfolar os joelhos abaixando-se para lavar pés, é entrar nos guetos da indiferença humana e resgatar os isolados da vida para o meio da sociedade. Trata-se de fazer com que a misericórdia toque o limite da vida e coloque de pé quem está prostrado pelo mal que fomos capazes de produzir na sociedade.
Contudo, as práticas do jejum e da dádiva caridosa só poderão alcançar seu ápice por meio de uma vida de oração robusta. A vida de oração é a busca da unidade na intimidade com Deus. Estarmos unidos a Deus para unirmo-nos aos irmãos e irmãs. Entrar no quarto e fechar a porta da morada para silenciosamente conversarmos com Deus, um diálogo amoroso e sincero. Um ensinamento lindo de Jesus é esse, retirar-se para em silêncio orar, rezar, transformar o diálogo em conhecimento de Deus e em ação viva por onde passou.
Naquela profunda intimidade, abro-me às três dimensões profundas do exercício da fé: meu encontro com Deus, que provoca-me um encontro comigo mesmo e desinstala-me do meu ensimesmamento para que eu me encontre com o outro. A verdadeira vida de oração não desenvolve o fechamento de si, não provoca o medo, mas ao contrário, movimenta-me à abertura e ao encontro com o outro. Uma vida de profunda intimidade com Deus não julga o outro, mas coopera para o bem de todos. É estar completamente voltado para Deus, sendo presença em Sua presença cotidianamente é o silenciar da vida para cantarmos os louvores do Senhor por onde passar nossa compaixão e misericórdia.
Caríssimos irmãos e irmãs, deixemo-nos tomar por essas práticas e que a coragem que emana do Espírito Santo de Deus, como um dom para nós, seja forte o suficiente para não desistirmos na caminhada.
Pe. Jean Lúcio de Souza